Justiça determina retorno de delegado que havia sido transferido

O Tribunal de Justiça de Pernambuco concedeu ontem mandado de segurança em favor do delegado de polícia Flávio Tau, removido da Delegacia do Alto do Pascoal por portaria da Secretaria de Defesa Social publicada em 25 de março deste ano. Os motivos da remoção teriam sido as reclamações feitas pelo delegado, em razão das condições precárias de trabalho e da ausência de efetivo e de viaturas para trabalhar. As queixas foram publicadas pelo blog no início deste ano.
Flávio Tau dará plantão na DP de Paulista. Foto: Raphael Guerra/DP/D.A Press
Flávio Tau voltará para o Alto do Pascoal. Foto: Raphael Guerra/DP/D.A Press
Os desembargadores consideraram inadequados e insuficientes os motivos utilizados e que ensejaram a remoção, elogiando ainda a postura do servidor público, que agia com o fim de cumprir seu papel social. “Devo voltar na próxima semana para o Alto do Pascoal”, afirmou o delegado. Os desembargadores reconheceram a inamovibilidade relativa dos delegados de polícia, expressa em lei federal, enfatizando que o caso servirá como paradigma para qualquer outra remoção indevida, com ausência de motivação concreta e que não atenda ao interesse público.Por fim, a Justiça determinou a expedição imediata de ofícios à Secretaria de Defesa Social, comunicando da decisão e anulando a remoção. A expectativa é de que o delegado retome suas atividades ainda essa semana, na Delegacia do Alto do Pascoal, que comandava desde o ano de 2010.

Segundo a assessoria de imprensa da SDS, o caso será analisado pela Procuradoria Geral do Estado para saber se cabe recurso da decisão. No entanto, a SDS adiantou que a transferência do delegado ocorreu por questões operacionais e não por perseguição.

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Após reclamações, delegado é trocado de local de trabalho

Após reclamações, delegado é trocado de local de trabalho

O delegado Flávio Tau, que durante mais de quatro anos esteve à frente da Delegacia do Alto do Pascoal, foi notificado pela chefia de que terá que deixar o cargo nos próximos dias. Depois de expor através de Comunicação Interna e até mesmo em texto publicado aqui no blog que o efetivo e a estrutura da sua delegacia não eram suficientes para o desempenho de um bom trabalho, o delegado perdeu a titularidade da delegacia.

Flávio Tau dará plantão na DP de Paulista. Foto: Raphael Guerra/DP/D.A Press
Flávio Tau dará plantão na DP de Paulista. Foto: Raphael Guerra/DP/D.A Press

Entre as cobranças feitas por Flávio Tau estavam o reaparelhamento da delegacia e de pessoal. “A delegacia tinha 18 policiais, contando comigo, para atender a uma demanda de 121.575 habitantes, o que dá um total de um policial civil para cada 6.754 habitantes. Um total de nove bairros são cobertos pela Delegacia do Alto do Pascoal. “Não tínhamos viaturas nem policiais para trabalhar nas investigações”, completou o delegado.

A partir de agora, Flávio vai assumir a chefia da 3ª equipe de plantão da Delegacia de Paulista. Ele acredita que a troca determinada neste mês foi uma retaliação às suas reclamações. “Meu primeiro plantão já será neste sábado e pelo que eu soube, por enquanto a delegacia vai ficar sem titular. O delegado seccional irá responder cumulativamente pelo Alto do Pascoal”, contou Tau.

Quando o dilema bate à porta

Por Flávio Tau, delegado da Polícia Civil de Pernambuco

Quem protege o cidadão?

A cena é comum: uma pessoa é trazida até a delegacia pela polícia militar ou mesmo por populares. Os que prenderam dizem que o criminoso é exatamente aquele e narram sua história. Quem é preso, no entanto, jura de pés juntos que nada fez e desafia o efetivo da polícia civil dizendo: “Vão até lá! Façam uma diligência que vocês verão que eu não tenho nada com isso.”

Quem tem razão? Quem trouxe o preso e diz que ele é o criminoso? Ou o preso que diz que não tem culpa alguma e pede para que a Polícia Civil vá até o local e investigue antes de o delegado mandar recolhê-lo ao Cotel.

De fato, o clamor do preso é compreensivo pois se a vida é o bem mais precioso de um ser humano, a liberdade trata-se do segundo bem mais precioso e não é justo que um cidadão seja encarcerado sem ao menos alguma investigação isenta. Havendo dúvidas, deve a polícia civil proceder uma investigação sumária, no local, para dirimir qualquer  dúvida, antes de ceifar-se a liberdade de alguém.

Infelizmente, na prática, a teoria é outra. Em virtude de uma política voltada para fazer o máximo com o mínimo de recursos, a Polícia Civil vem sendo sucateada, como alardeiam os jornais locais e as entidades de classe. Ou seja: a averiguação prévia da veracidade dos fatos apresentados foi considerada supérflua para o Estado e sujeita a cortes orçamentários.

Em outras palavras, o Estado não achou necessário que uma delegacia de polícia tivesse um efetivo que garantisse ao cidadão comum um mínimo de garantias antes de seu encarceramento. Ou seja, não se pode atender ao mero pedido para ir ao local verificar quem estaria mentindo porque simplesmente não há efetivo e condições mínimas para isso. 

Hoje, nas delegacias,  temos que confiar cegamente na palavra de quem traz a ocorrência policial. Temos que acreditar que o condutor da ocorrência e as testemunhas estão dizendo a verdade e o conduzido é de fato culpado. Como se pessoas não mentissem, como se não houvesse interesses escusos, como se o ser humano fosse absolutamente confiável. Como se não houvesse premiação com folgas pela prisão de pessoas.

É preciso entender que a Polícia Civil funciona como um sistema de freios e contrapesos garantista para o cidadão. E como garantia ao cidadão,  é preciso reinvestir na Polícia Civil e retirá-la  do caos em que ela se encontra. 

Afinal, é a Polícia Civil que, de forma isenta, precisa apurar os fatos trazidos até ela e, ao final, com base nas investigações realizadas, deve o  delegado de polícia mandar prender ou ordenar a soltura do conduzido, sempre pautado nas garantias e direitos fundamentais de um Estado Democrático de Direito.

Sim, porque é importante ter sempre em mente que a função da polícia civil não é prender nem soltar ninguém, mas meramente e simplesmente promover a justiça naquele primeiro momento.  E se prender um bandido é algo necessário, garantir que o injustamente acusado seja posto em liberdade é imprescindível.

A prisão de um ser humano meramente pelo depoimento dos responsáveis pela prisão, sem a possibilidade de esclarecer dúvidas pode diminuir os custos e tornar as prisões mais rápidas.  Aliás, já tivemos na história vários exemplo de como é fácil prender pessoas. Basta  querer. Foi assim em 1964 e na Alemanha nazista.

Resta a pergunta: é o que queremos?

Delegado escreve sobre as funcões da polícia e do MPPE

A polícia que queremos

A notícia veio como uma bomba: investigação da morte de promotor expõe crise entre polícia e Ministério Público de Pernambuco (MPPE). E, de fato, expôs uma crise que se teimava em esconder-se embaixo de mentiras e mais mentiras. Ora! Falando em um português bastante direto, uma investigação bem feita trabalha com fatos extremamente sensíveis e que, se manuseados de forma inadequada, podem colocar todo o trabalho investigativo em xeque.

Para exemplificar, imaginemos uma sala de operações onde há um anestesista, um cirurgião e um instrumentador. Se todos resolverem operar o paciente, ao invés de anestesiar e de instrumentar, fatalmente o paciente morrerá. Nosso sistema de persecução criminal é um dos melhores ou talvez o melhor que existe no mundo. Explico: pelo nosso sistema, a Polícia Militar realiza o trabalho ostensivo. A Polícia Militar é a polícia que está o tempo todo patrulhando e tentando fazer com que o crime não ocorra.

Por ser uma polícia de repressão, é utilizada também para contenção de manifestações e rebeliões. É o braço armado forte do Estado. Seus membros são selecionados por concurso público, no intuito de encontrar os candidatos mais aptos a esta tarefa repressiva. Por isso, há exames intelectuais, de perfil psicológico e até exames físicos além, lógico, do curso na academia totalmente voltado para o patrulhamento ostensivo e operacional.

A Polícia Civil, por sua vez, é a polícia investigativa. Sua função é investigar o crime, a partir de uma notícia qualquer. É uma polícia que trabalha eminentemente com provas e evidências e, exatamente por isso, tem por função colher todo e qualquer elemento probatório, quer seja ele físico ou depoimentos colhidos em cartório para que, ao final, tenha-se uma conclusão lógica acerca da autoria de algum fato criminoso.

Por ser uma polícia eminentemente investigativa, seu compromisso é tão somente com as provas colhidas. Daí porque, havendo provas da autoria do crime, o Delegado de Polícia indicia o responsável e encaminha tudo ao Ministério Público para que o MP possa oferecer a denúncia a partir das provas colhidas pela polícia civil. As provas podem incriminar cidadãos, banqueiros, usineiros, policiais civis ou policiais militares, dentre outros. Ou seja: havendo provas, alguém será indiciado.

Ao Ministério Público cabe, além da função de denunciar ou não a pessoa que foi indiciada pelo Delegado de Polícia, promover o controle externo da atividade policial, observando se as investigações realizadas pela polícia civil estão isentas ou não.
Observe-se que o sistema é altamente equilibrado, onde a Polícia Militar labora de forma ostensiva para evitar que o crime ocorra, sendo que aqueles crimes que ocorrerem, independentemente da ação da Polícia Militar, serão apurados pela polícia civil. Tudo isso é fiscalizado pelo MP.

Quando ocorre um crime e todos querem investigar, o que ocorre, na prática, é que provas são perdidas em infinitos manuseios; testemunhas se calam após serem interrogadas por pessoas sem preparo; perícias tornam-se improdutivas pelas violações sucessivas do local do crime e, por fim, muitas vezes, no afã de solucionar logo o caso, na frente de todos os outros, colhem-se provas insuficientes, o que termina por fragilizar o conjunto probatório.

Agora, essa briga para investigar é o que causa maiores prejuízos para as investigações. Ao invés de o MP brigar para investigar, deveria cobrar do Estado um aparelhamento maior da Polícia Civil, inclusive um efetivo mínimo e autonomia financeira. Se o MP entende que a Polícia Civil não tem isenção para investigar, deveria fomentar exatamente tal isenção. Ocorre que estranhamente, toda vez que há qualquer mudança na legislação para dar maiores garantias ao Delegado de Polícia, o MP é contra.

Quantos casos de homicídios não são investigados a contento pela falta de recursos humanos e materiais? Quantos homicidas estão impunes pela falta de autonomia da Polícia Civil que, ainda hoje, sofre pela falta de aparelhamento. Algo tem que ser feito urgente. Afinal, toda vida é importante e todo homicídio deveria ser investigado com o mesmo empenho, independentemente se a vítima é um promotor, um delegado ou um desempregado.

Flávio Tau, delegado da Polícia Civil (titular da Delegacia do Alto do Pascoal) e diretor de Prerrogativas da Associação dos Delegados da Policía Civil de Pernambuco (Adeppe)

Delegado da PCPE escreve sobre ciclo completo da polícia

O delegado da Polícia Civil de Pernambuco Flávio Tau escreveu um texto sobre Ciclo Completo da Polícia. Confira o texto abaixo:

A moda agora é o tal do ciclo completo de polícia. Para os defensores de tal tese, se a polícia militar pudesse, além de realizar patrulhamento ostensivo, investigar, prender e mandar  recolher ao presídio os criminosos, todo o problema de segurança pública seria resolvido pois acabariam os entraves burocráticos. Ledo engano.

Hoje, a polícia militar, quando se depara com um ilícito penal, traz os fatos até a delegacia, conduz todos os envolvidos e coleta provas no local.

Chegando à delegacia, todo esse material é analisado pelo Delegado de Polícia, que observa as provas que foram colhidas e, após ouvir todos os envolvidos  decide de forma fundamentada acerca do fato que foi narrado pelos policiais e pelas testemunhas.

Ao final, decide se aquele sujeito que foi apresentado como criminoso é, de fato bandido; decide se a vítima é, de fato, vítima, ou se forjou o crime; decide se os policiais estavam falando a verdade ou mentindo; decide se as provas foram reais ou se foram “plantadas”; decide, enfim, se houve ou não houve crime.

Ou seja, dentre as funções do Delegado de Polícia está também a função de freio e contrapeso da persecução criminal. O delegado de polícia possui comprometimento unicamente com a legalidade dos fatos e com a garantia da cidadania  dos envolvidos. Por isso é que o delegado de polícia indicia traficantes, ladrões, corruptos e indicia inclusive policiais que cometeram crimes. A imprensa está cheia de exemplos de policiais que foram indiciados por delegados por crimes de tortura, corrupção, formação de quadrilha, dentre outros.

Preocupado com a legalidade dos atos da polícia é que sabiamente o legislador concedeu ao delegado uma maior garantia quanto às remoções infundadas. Isto porque, para que o delegado de polícia possa ser um garantidor da cidadania ele necessita estar acima de ingerências políticas.

O legislador concedeu também ao delegado de polícia a titularidade na condução da investigação criminal. Significa que os fatos que são trazidos ao delegado de polícia devem, sempre que preciso, serem melhor apurados. Para isso, importantíssima a atuação dos investigadores de polícia que, de forma isenta, vão ao local, identificam novas testemunhas e outras provas, trazendo ao delegado mais elementos de convicção para decidir.

Vindo o ciclo completo, não haveria mais delegado de polícia. O policial investigaria, prenderia, decidiria se as provas foram lícitas, decidiria se ele próprio mentiu ou não, decidiria ele próprio se ele coagiu testemunhas e mandaria o sujeito que ele mesmo prendeu para a prisão.

Agindo dessa forma, de fato, seria muito mais fácil prender pessoas. Aliás, já tivemos na história vários exemplo de como é fácil prender pessoas. É só querer que se consegue prender um. Foi assim em 1964 e na Alemanha nazista, onde prender pessoas era a coisa mais fácil e rápida do mundo.

Resta a pergunta: é o que queremos?

Flávio Tau, delegado da Polícia Civil (titular da Delegacia do Alto do Pascoal) e diretor de Prerrogativas da Associação dos Delegados da Policía Civil de Pernambuco (Adeppe)