Recife debate internação compulsória de dependentes químicos

Por Raphael Guerra

“A cidade está doente. Do rico ao pobre”. A frase é de Léo (nome fictício), 40 anos. Há 11, ele perdeu tudo para o crack. Passou a peregrinar pelas ruas e dormir em calçadas. A pedra já consumiu boa parte da memória, mas ele ainda se lembra dos familiares, sobretudo dos apelos para que procurasse tratamento. Mesmo em estágio avançado de dependência, não quis ser internado e pôs em risco a vida dos mais próximos. O caso dele não é isolado. Um projeto de lei em tramitação na Câmara de Vereadores do Recife pretende implementar a internação compulsória para dependentes químicos e de álcool. A medida já está em vigor na cidade de São Paulo desde janeiro. Autoridades e especialistas ouvidos pelo Diario foram unânimes em apontar o projeto como positivo para casos em que há risco de morte ao usuário e perigo à família e à sociedade.

Muitos usuários de crack estão pelas ruas do Recife. Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press
Muitos usuários de crack estão pelas ruas do Recife. Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press

A solicitação de internação poderá ser feita por um familiar ou pela polícia, mas caberá à Justiça a decisão, com base na avaliação de um médico especializado, que vai identificar se o paciente já não tem mais discernimento e corre risco de morte. “Essa escolha pode ser imprescindível para garantir a vida da pessoa. A internação involuntária, que já é realizada aqui, não pode se tornar rotina. Após a desintoxicação, o paciente tem o direito de decidir se quer continuar o tratamento”, pontuou o psiquiatra e psicanalista Evaldo Melo. O projeto de lei, do vereador Luiz Eustáquio (PT), prevê que dependentes sejam encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Especializados. Atualmente há seis no Recife.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional Pernambuco, Pedro Henrique Reynaldo, também é a favor do projeto, que está sob análise de quatro comissões para ir a votação no plenário, possivelmente neste mês. “Mas a voz determinante para a internação deve ser do médico e não do delegado”, reforça. O secretário de Segurança Pública do Recife, Murilo Cavalcanti, tem a mesma opinião. “Essa é uma questão de saúde e tem que ser discutida caso a caso. Quando não há mais escolha, o estado tem que intervir”. Procurado pelo Diario, o Ministério Público de Pernambuco não quis comentar o assunto.

Saiba Mais

Os detalhes do projeto de lei municipal

Na internação compulsória, a avaliação será feita por profissionais de saúde especializados, mediante decisão Judicial

A solicitação poderá ser feita por médicos, pela polícia ou pela família

O médico especializado vai determinar quando será o término da internação

Na internação involuntária, o encaminhamento será feito após solicitação de familiar ou representante legal

O término da internação involuntária ocorrerá após nova solicitação da família ou representante legal, ou por determinação do médico

Na internação voluntária, o encaminhamento à avaliação será feito após pedido por escrito do paciente e aceito pelo médico

Nos três casos, os dependentes em situação de risco serão encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial Especializados (CAPS-AD)