Segundo ministra, só ação federativa pode conter violência contra jovens negros

Da Agência Brasil

A ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, pediu nessa segunda-feira que os três poderes nos estados, Distrito Federal e municípios trabalhem juntos com a esfera federal para que o país supere os altos índices de violência contra os jovens negros.

“Precisamos reduzir a taxa de homicídio no Brasil, principalmente dos jovens negros, que são os que mais sofrem. Não bastam ações do governo federal, precisamos de uma ação federativa e articulada, precisamos de articulação entre os estados e municípios e o Distrito Federal, precisamos de articulação entre Judiciário, Legislativo e Executivo para encontrarmos caminhos e alternativas para essa situação”, disse Nilma.

Vítima foi assassinada por volta das 12h dessa sexta-feira. Foto: Annaclarice Almeida/DP/D.A Press
Número de vítimas negras assassinadas é maior que vítimas brancas. Foto: Annaclarice Almeida/DP/D.A Press

Dados do Mapa da Violência, divulgado em 2015, apontam que os homicídios representam 46% das causas de morte de adolescentes entre 16 e 17 anos. O estudo mostra que 93% das vítimas são homens, com destaque para os perfis de escolaridade e cor. Homens negros morrem três vezes mais que homens brancos, e as vítimas com baixa escolaridade também são maioria.

A ministra participou nessa segunda-feira de sessão solene na Câmara dos Deputados para lembrar o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, celebrado no último dia 21 de março. Ela fez um balanço sobre as políticas e ações desenvolvidas pelo governo federal nos últimos anos para promover a igualdade entre os jovens, brancos e negros, como o Plano Juventude Viva, a Lei de Cotas e o Programa Universidade para Todos.

Nilma Lino destacou a iniciativa ID Jovem, que será lançado no próximo dia 31 de março. Segundo ela, a identidade jovem será um documento que comprova a condição de jovem de baixa renda para acesso ao benefício da meia entrada e, também, da reserva de vagas no transporte interestadual para jovens de baixa renda.

“É uma forma de possibilitar à juventude brasileira e de baixa renda, principalmente jovens negros e negras, a ter mais acesso a atividades culturais e esportivas e ao direito de ir e vir”, disse. A identidade será destinada a jovens de 15 a 29 anos, com a famílias inscritas no Cadastro Único e renda mensa de até dois salários mínimos.

Segundo a ministra, a Secretaria Nacional da Juventude também deverá, em breve, ser integrada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, para fortalecer as ações voltadas à juventude.

A sessão solene de hoje foi convocada e presidida pelo deputado Vicentinho (PT-SP), que ressaltou a importância de colocar em pauta na Casa projetos de interesse da população jovem e negra. “Decidimos abordar nessa sessão a questão da defesa da nossa juventude, vítima da violência e do preconceito, em cada periferia vítima da maldita droga, da violência policial e da discriminação. Uma sociedade justa nós só teremos quando jovens brancos e negros forem tratados com as mesma condições e os mesmos direitos”, disse o deputado.

O dia 21 de março foi instituído pela Organização das Nações Unidas como é o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, em 1966, em memória à tragédia que ficou conhecida como Massacre de Shaperville, em 1960, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul. Na ocasião, 20 mil negros protestavam pacificamente contra a Lei do Passe – que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles poderiam transitar na cidade – quando se depararam com tropas do exército, que abriram fogo sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186.

Dois jovens negros são mortos no Brasil a cada hora

No Brasil, a cada hora, dois jovens negros são assassinados. Mais da metade dos quase 50 mil homicídios em 2010 atingiu jovens, dos quais 74,6% negros, segundo o Ministério da Saúde. Os dados alarmantes motivaram o governo federal a lançar o Plano Juventude Viva, de enfrentamento à violência contra jovens negros.

O problema é que, pouco mais de um ano após a adesão do primeiro estado ao projeto, Alagoas, cerca de apenas 40 dos 142 municípios brasileiros indicados como prioritários se integraram ao plano. A questão foi debatida em audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, nessa quinta-feira (28).

Dificuldades políticas
Para o rapper Gog, o Juventude Viva acerta ao articular ações de 40 programas federais, em integração com estados e municípios. Lá na ponta, no entanto, os resultados ainda não são percebidos, segundo o músico e militante do movimento negro.

Audiência pública sobre as diretrizes de implementação do Plano Juventude Viva, Plano de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra. Rapper e escritor, Genival Oliveira Gonçalves

“O hip hop tem uma rede, e muitas vezes o que é informado não bate com o que os moleques estão falando na rua. O Juventude Viva chega com toda a estrutura federal, mas muitas vezes não coincide, por exemplo, com um partido aliado. Esses partidos, nos estados, em vez de facilitarem, dificultam essa relação”, denunciou o rapper.

Tempo para maturação
Uma das coordenadoras do Juventude Viva, Fernanda Papa reconhece que há governos mais sensíveis ao tema que outros. Mas explica que existe também um tempo de maturação da política, especialmente entre gestores municipais que assumiram o cargo neste ano.”É natural que as pessoas que estão há tanto tempo esperando uma resposta achem que a coisa ainda não está acontecendo. Porque é necessário, sim, uma vontade política e um esforço de direcionar, para esses bairros, esses territórios que estão sendo mais afetados pela violência, as ações com máximo de prioridade de tempo”, admite ela.

Mas, segundo Fernanda, isso não depende apenas do governo federal. “A gente tem um papel dos governos estaduais e municipais para fazer essa máquina girar, mas a gente percebe que tem um tempo de essas coisas chegarem”.

Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Reunião Deliberativa. Dep. Amauri Teixeira (PT-BA)
Amauri Teixeira defendeu a aprovação do projeto que acaba com os autos de resistência.Fim dos autos de resistência

Parlamentares e representantes do governo e de movimentos sociais presentes ao debate concordaram que o combate à violência contra os jovens negros passa também pelo enfrentamento do racismo institucional no país.

Os participantes foram unânimes em cobrar a aprovação pela Câmara do projeto de lei que determina o fim dos autos de resistência (PL 4471/12). A proposta está pronta para votação em Plenário.

O deputado Amauri Teixeira (PT-BA), um dos autores do pedido para a realização da audiência, destaca que os jovens negros são as maiores vítimas das abordagens policiais que acabam em morte.

“Na maioria das vezes, não se tem investigação e pura e simplesmente alega-se que houve resistência e o policial apenas se defendeu. Não se apura, não se identifica a real causa daquela circunstância e uma pessoa é morta de forma injusta”, diz o deputado.

Teixeira entende que, o fim dos autos de resistência “significa que nós vamos preparar a polícia para abordar as pessoas de forma distinta, de uma forma cidadã”.

Os participantes do debate também defenderam a aprovação pela Câmara do projeto que estipula cota de 20% para negros em concursos públicos (PL 6738/13).

Da Agência Câmara

Índice de assassinato de jovens negros preocupa autoridades brasileiras

A violência contra a juventude negra foi debatida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, nessa quinta-feira. De acordo com o estudo A Cor dos Homicídios no Brasil, feito pelo coordenador da área de estudos da violência da Faculdade Latino-Americana (RJ), Júlio Jacobo Waiselfisz, de 2001 a 2010, enquanto a morte de jovens brancos no país caia 27,1%, a de negros crescia 35,9%.

Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press

Com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, a pesquisa revela que no Brasil as maiores vítimas de violência são jovens negros, com baixa escolaridade. O racismo é a maior motivação para os crimes. Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pará, Distrito Federal e Pernambuco são as unidades da Federação que mais registram casos de homicídios contra negros.

Outro dado da pesquisa mostra que em 2010 quase 35 mil negros foram assassinados no país. “Os números deveriam ser preocupantes para um país que aparenta não ter enfrentamentos étnicos, religiosos, de fronteiras, raciais ou políticos. Representam um volume de mortes violentas bem superior ao de muitas regiões do mundo, que atravessaram conflitos armados internos ou externos” avalia o pesquisador.

“É uma situação alarmante que coloca o Brasil entre piores lugares do mundo em relação a homicídio – sétimo lugar – mas em relação a morte de jovens negros, nós somos um dos primeiros países. O governo reconhece que é um problema histórico que afeta especificamente a juventude negra”, disse Fernanda Papa, da Secretaria Nacional da Juventude da Presidência da República.

Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press

Segundo Fernanda, a criação do Plano Juventude Viva, no ano passado, foi uma primeira resposta do governo federal ao problema. Em diferentes programas, a estratégia tem cerca de 40 ações em conjunto com estados e municípios com objetivo de colocar a juventude negra na pauta das políticas públicas.

Representantes de vários movimentos sociais cobraram uma ação mais forte nas áreas de educação e segurança para frear a violência contra jovens negros. “O racismo é um problema que vai além dos livros. Falta um grande pacto social para que as políticas públicas toquem as pessoas de uma maneira geral. Não adianta só chegar a verba, tem que chegar o verbo para que haja uma transformação”, disse o rapper e escritor Gog.

Da Agência Brasil