Organização internacional recomenda que Brasil combata abusos nos presídios

Da Agência Brasil

O Brasil tem que combater os abusos cometidos nas prisões e pela polícia, recomenda a organização internacional Human Rights Watch (HRW), no Relatório Mundial 2016 divulgado hoje (27). Em 2015, as mortes causadas por policiais – em serviço e fora de serviço – ultrapassarram 3 mil, com aumento de quase 40% em relação ao ano anterior.

No Rio de Janeiro foram 644 mortos no ano passado, um aumento de 10% em relação a 2014. Em São Paulo, os policiais em serviço mataram 494 pessoas em 2015, registrando aumento de 1%. As prisões brasileiras abrigam mais de 600 mil pessoas, 61% acima de sua capacidade. A superlotação coloca os presos em situação de violência e vulnerabilidade, além de permitir o fortalecimento das facções criminosas.

Prisões brasileiras abrigam mais de 600 mil pessoas, 61% acima de sua capacidade Wilson Dias/Agência Brasil
Prisões abrigam mais de 600 mil pessoas, 61% acima de sua capacidade. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

De acordo com a HRW, o país precisa garantir que os responsáveis por torturas e execuções sejam responsabilizados, além de tomar medidas efetivas para aliviar as condições desumanas que atualmente existem nas prisões superlotadas.

Uma ação importante, incluída em um programa piloto iniciado em 2015, é a de permitir que os presos de todas as capitais do país sejam levados rapidamente a uma “audiência de custódia” com um juiz. A medida, além de permitir que o juiz decida se o detido deve permanecer preso ou se aguarda em liberdade, ainda reduz os casos de tortura, pois eles têm a oportunidade de denunciar rapidamente maus-tratos cometidos pela polícia.

No Rio de Janeiro, no primeiro mês do programa, quase 20% dos presos que participaram de audiências de custódia relataram maus-tratos por parte da polícia. A HRW recomenda que essas audiências sejam instituídas em todo o país, além da aprovação pelo Congresso do projeto de lei que dificulta que policiais encubram evidências de execuções extrajudiciais (PL4471/12).

A organização se manifesta ainda contra a redução da maioridade penal (PEC 171/93) e da aprovação de projeto de lei de combate ao terrorismo (PL2016/2015) que, com uma linguagem vaga, poderia permitir que manifestantes e críticos fossem presos como terroristas.

O relatório, que é anual, avalia o respeito aos direitos humanos em mais de 90 países. Em uma análise global, a HRW afirma que a “política do medo” levou governos de todo o mundo a reduzir direitos em esforços equivocados de proteger a segurança nacional. Esse contexto permitiu também que governos autoritários intensificassem a repressão a opositores independentes.

O documento destaca a questão dos fluxos migratórios para a Europa, tanto de refugiados sírios quanto de civis vítimas dos ataques do Estado Islâmico, e condena a islamofobia e o fechamento das fronteiras europeias.

Segundo o relatório, o Reino Unido e a França, que buscaram expandir seus poderes de monitoramento dos cidadãos nesse contexto, estão restringindo direitos, como à privacidade, sem que se tenha a comprovação de que seja eficaz no combate ao terrorismo.

O documento cita a Rússia e a China como países que estão entre os mais repressores, com a desarticulação de grupos críticos ao governo e a prisão de advogados e ativistas de direitos humanos. A Etiópia e a Índia são apontados por restringir canais de financiamento internacional com o intuito de dificultar o monitoramento de violações cometidas pelo governo.

A Bolívia, o Camboja, Equador, Egito, Cazaquistão, Quênia, Marrocos, Sudão e a Venezuela aprovaram leis que permitem controlar ativistas e prejudicar grupos independentes. O documento diz que, apesar de todas essas violações aos direitos humanos, houve avanços positivos. Moçambique descriminalizou a homossexualidade. A Irlanda, o México e os Estados Unidos legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Anistia Internacional: manual recomenda como limitar uso de armas pela polícia

Da Agência Brasil

A organização não governamental (ONG) Anistia Internacional lançou nessa segunda-feira, em Londres, sede da ONG, um manual inédito que tem por objetivo mostrar às autoridades de todo o mundo como implementar princípios internacionais do uso da força e das armas de fogo por agentes da segurança pública. O evento marcou os 25 anos de adoção dos Princípios Básicos da Organização das Nações Unidas (ONU). Esses princípios servem como orientação para o uso da força e das armas de fogo pelas polícias.

Apesar de haver essa referência internacional, o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Alexandre Ciconello, disse à Agência Brasil que nesses 25 anos foram registrados poucos avanços em termos da implementação desses princípios pelos países.

Analisando relações de direitos por parte das polícias em várias nações, a ONG percebeu que era necessário criar um manual ou guia que pudesse detalhar como os governos podem implementar, na prática, esses princípios da ONU “e, realmente, limitar o uso excessivo da força e de armas de fogo pela polícia, indicando em que circunstâncias isso pode ocorrer, quais os mecanismos de prestação de contas”.

Segundo Ciconello, há uma série de protocolos que não está ainda devidamente implementada na legislação dos países. Uma primeira medida sugerida no manual é que essas regras sejam reguladas por lei. Para o assessor, os Princípios da ONU não são um tratado internacional e, por isso, não têm força normativa. Trata-se de uma orientação que deve ser adotada pela legislação dos países.

Ciconello disse que no Brasil não existe uma legislação nacional que adote os princípios internacionais sobre o uso da força dos agentes de segurança. “Isso não existe nem na legislação nacional, nem nas legislações estaduais”. É preciso, de acordo com ele, incorporar na lei esses princípios mundiais. O que há, completou, são manuais internos que, “muitas vezes, não são transparentes. Mas não há uma lei que regule, que seja pública e possa ser discutida com a sociedade”, disse.

O Brasil é considerado um dos países que têm muitos casos em que a polícia usa a força de forma excessiva e desproporcional, ocasionando muitas mortes e abusos. Por isso, a iniciativa da Anistia Internacional é importante, afirmou o assessor de Direitos Humanos da ONG. Ele entende que os gestores brasileiros, a Secretaria de Segurança Pública, o Ministério da Justiça e o Congresso Nacional deveriam deixar mais claro e incorporar na lei e nos regulamentos das polícias as normas da ONU de uso da força.

O relatório de agosto da Anistia Internacional mostra que nos últimos dez anos (de 2005 a 2014), 8.466 pessoas foram vítimas de homicídios cometidos pela polícia no estado do Rio de Janeiro, onde existem dados disponíveis. Em outras unidades da Federação, segundo ele, há dificuldade de se obter informações sobre a letalidade provocada pela polícia. “Uma letalidade alta assim pressupõe que a força está sendo usada de forma desproporcional. Não é comum polícias em outros países terem um índice de letalidade tão alto como acontece no Brasil”.

De acordo com Ciconello, o Brasil precisa melhorar as informações nessa área, ter mais transparência, e isso o manual pode ajudar. “É preciso ter transparência para saber o que está ocorrendo e, depois, se tiver excessos, o próprio gestor e o policial têm de ser responsabilizados. Isso é algo que ainda falta muito no Brasil”. Ele ressaltou que essa deficiência ocorre também em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, por exemplo, em que a maioria dos 50 estados não tem incorporadas, na lei, normas de uso da força pela polícia.

O uso da força, segundo o assessor, é registrado também no policiamento de protestos e está disseminado no mundo.  “Isso é algo que precisa também de uma regulamentação. A polícia tem que ter bem delimitados o seu mandato e sua atuação”. Em vários países, a polícia utiliza gás lacrimogêneo, balas de borracha e outras armas em protestos, causando consequências sérias, que incluem morte e ferimento de pessoas, O importante, acentuou Ciconello, é que há referências, que devem ser aplicadas. “E hoje, elas não são”. A Anistia Internacional considera que na reação a manifestações públicas, a polícia prefere, muitas vezes, usar a força, em vez de buscar uma resolução pacífica para o conflito. Os Princípios Básicos da ONU têm recomendações específicas para esses eventos.

O manual traz dados de 58 países, onde foram coletados exemplos de leis, regulamentos internos e documentos da própria polícia, “para entender quais são as táticas hoje e como se pode avançar nessa área”. O objetivo é que a polícia dê prioridade máxima ao respeito e proteção da vida e da integridade física das pessoas, afirmou Alexandre Ciconello.

A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro informou, por meio de sua assessoria de imprensa,  que só irá se manifestar sobre o manual depois que houver a divulgação da publicação com as recomendações sugeridas.