Foto: Ricardo Stuckert/PR

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Kelly Hekally – Correio Braziliense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha para cristalizar uma base de apoio confortável a fim de garantir que projetos relevantes ao seu terceiro mandato tenham êxito no Congresso. A composição da Câmara dos Deputados e do Senado, porém, apresenta ao petista a necessidade de negociação com líderes partidários fora de seu núcleo duro, com Arthur Lira (PP-AÇ) e com Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Lira e Pacheco são, respectivamente, presidentes da Câmara e do Senado.
Números oficiais das bancadas de ambas as Casas levantados pela reportagem mostram que 126 deputados federais estão no grupo que acompanhará o governo, em votação no plenário da Câmara, e 16 no do Senado. A soma considera as siglas que apoiaram oficialmente Lula no segundo turno das eleições do ano passado: PT, PCdoB, PV, Rede, PDT, PSB, Psol e Rede. Na Câmara, Lula concentra cerca de 30% do total desses parlamentares. No Senado, o quantitativo cai para 20%, aproximadamente.
O somatório está distante do quórum necessário até mesmo para começar a discussão de projetos de lei, sejam ordinários, sejam complementares, cujos processos são mais simples que os de Proposta de Emenda Constitucional (PECs). Na Câmara, são necessários 257 deputados em plenário. No Senado, 41. Há também o grupo de legendas à frente de ministérios, pacto que assegura ao presidente da República sinalizações positivas, porém não necessariamente unânimes. Nesta faixa estão União Brasil, MDB e PSD. O União Brasil chegou, contudo, a lançar manifesto fazendo ponderações a uma aliança irrefutável a Lula.
Considerando, então, essa premissa, Lula teria como contar com parte de votos favoráveis de 143 deputados e 25 senadores. O perfil das propostas e as negociações de cargos, porém, vão pesar para que o apoio desses partidos possa ser ampliado. Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) defende que não há “apoio incondicional” na política e que a manifestação positiva de sua legenda vai se desenhar conforme sejam as proposições governistas enviadas ao Congresso.
“Até o momento, a bancada tem sinalizado positivamente para as propostas do governo, mas não existe apoio incondicional na política. Haverá debates em emendas, por exemplo, para que possamos alterar textos que chegarem, se for de nosso interesse.” Questionado sobre qual será o entendimento de pautas econômicas, como a do arcabouço fiscal, o senador afirma que o tema, em sua visão, é ainda mais importante que a reforma tributária em si.
Braga acrescenta que uma proposição do Ministério da Fazenda será considerada favorável ao país, caso considere as perspectivas fiscal e monetária. “Terá que haver equilíbrio fiscal entre as questões tributária, fiscal e social. É fundamental.” O atual modelo, o Teto de Gastos, foi implementado pelo ex-presidente Michel Temer, correligionário de Braga, e é um assunto considerado relevante para o MDB.
Existem também no Congresso os partidos que liberaram seus diretórios estaduais em 2022, quando o pleito ficou apenas entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), e não estão em pastas do governo atual, como a federação PSDB-Cidadania. Mais recente integrante entre os tucanos no Senado, Alessandro Vieira (SE) responde que a sigla terá um caráter de independência, analisando a conveniência e o teor das pautas do Palácio do Planalto para fechar consenso sobre votações.

“Vamos analisar pauta por pauta. Na questão tributária, o entendimento é de que precisa ser um modelo que reduza despesas, mas que tenha compromisso com áreas sociais sem fabricar inflação”, argumenta o senador também sobre âncora fiscal. Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) já anunciou que o Teto de Gastos será substituído por outra proposta, a ser discutida junto com a reforma tributária. Para que Lula consolide projetos sociais, é preciso encontrar um equilíbrio entre a ideologia de sua gestão e as matrizes econômicas de partidos do Centrão que compõem o parlamento.


 Foco em minar potencial de aliados de Bolsonaro

 Antes mesmo do start do novo ano presidencial e da 57ª legislatura, tiveram início as articulações com siglas que estiveram ao lado de Bolsonaro entre 2019 e 2022. Apesar de ter resistido a entregar a Lira o Ministério da Saúde, Lula viu na estratégia de apoio à recondução do presidente da Câmara seu melhor artifício para garantir força entre deputados e parte de pacificação institucional. O peso de PP, PL e Republicanos, mais na Casa que no Senado, é fator de ponderação ao governo.
A base, somando os três partidos, totaliza 186 deputados. No Senado, pouco mais de 20, que, ao contrário do que ocorre na Câmara, terão pouca capilaridade para avançar como oposição. A divisão das comissões permanentes é uma das sinalizações. O grupo de Lira terá espaço em colegiados relevantes, como a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, com o PL. As de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e Saúde serão abocanhadas pelo PP, ao passo em que o Republicanos saiu da quarta secretaria da Mesa Diretora na legislatura passada para ficar com a primeira-vice-presidência nesta.
A projeção de mais de um terço do total de deputados garante a Lira poder de negociação e de manobras regimentais, comuns a presidentes no Congresso para agirem em consonância diante de acordos feitos com governos. Um dos exemplos mais frequentes, na Câmara, é flexibilização das regras de presença e votos, que se tornaram corriqueiras mesmo após a determinação do retorno das atividades presenciais na pandemia. A mais emblemática foi a votação no segundo semestre do ano passado da PEC da Emergência, que deu a Bolsonaro a possibilidade de aumentar os gastos da máquina pública visando à sua reeleição.
Lira permitiu a retomada das presenças virtuais, por meio do aplicativo da Câmara, ainda que o ato de liberação estivesse vencido. Assim, o deputado alagoano conseguiu chegar ao quórum e aos 308 votos mínimos para aprovar a PEC em dois turnos. No Senado, por outro lado, não há acento na Mesa Diretora para integrantes do PL, PP e Republicanos, que devem faturar apenas uma comissão menos relevante para que Pacheco barganhe pacificação e apoios pontuais, pelo menos, para Lula.
Outro mecanismo de avanço entre Lula e Lira para agradar partidos que não estão oficialmente na base de apoio do petista foi a destinação de emendas parlamentares a congressistas eleitos em 2022, os quais não têm direito a uma fatia do Orçamento Geral da União. A prática é comum no primeiro ano dos recém-eleitos. Os presidentes fecharam acordo de R$ 13 milhões para cada um dos 218, valor cerca de 70% inferior ao dos reeleitos. O investimento do Planalto para tal está na casa dos R$ 2,8 bilhões. Pesa nas negociações com Lula ainda o chamado “consórcio do Lira”, cujo eixo está no PP, PL, Republicanos e União Brasil.
Neste caso, os pedidos transcendem Lira e são feitos por interlocutores à Presidência da República. Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT) concentra as articulações com o Congresso em sua pasta. Uma das provas de fogo já neste ano foram as articulações para a recondução de Pacheco ao comando do Senado. As negociações junto a parlamentares envolveram também uma força-tarefa integrada com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, cujo titular é Paulo Pimenta (PT), contra fake news que estavam sendo divulgadas nas redes sociais por bolsonaristas. 


Panorama atual
 

Governo do presidente Lula, segundo a composição do Congresso nesta legislatura, precisa atuar nas negociações para impulsionar apoio a projetos relevantes ao terceiro mandato do petista


Câmara dos Deputados

 Núcleo duro de Lula: federação PT-PCdoB-PV, PDT, PSB e federação Psol-Rede – 126 parlamentares

Núcleo de partidos com cargos no governo Lula: União Brasil, PSD e MDB – 143 parlamentares

Núcleo duro de Lira: PP, PL e Republicanos – 186 parlamentares

Partidos considerados independentes: federação PSDB-Cidadania, Pode, Avante, PSC, Patriota, Solidariedade, Pros e PTB – 55 parlamentares

Partido oficialmente de oposição: Novo – 3 parlamentares


Senado

 Núcleo duro de Lula:

PT, Rede, PDT e PSB – 16 parlamentares

Núcleo de partidos com cargos no governo Lula/Núcleo duro de Pacheco: União Brasil, PSD e MDB – 35 parlamentares

Partidos considerados independentes: federação PSDB-Cidadania, Novo e Podemos – 8 parlamentares

Partidos que têm falado em “oposição responsável”: PL, PP e Republicanos – 22 parlamentares

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