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Canteiros sem cinza

Por uma construção civil mais verde

O descarte do cinza
nos canteiros

 

No Brasil, a construção civil responde sozinha pelo uso de sete entre dez árvores cortadas em todo o país. Com uma contribuição igualmente expressiva de quase 10% do PIB nacional e empregando mais de 2,5 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE, o setor tem a tarefa inglória de salvar os principais elementos da sociedade moderna dos quais ele abusa: a água, o ar, a terra e o fogo (energia). Para isso, o plano precisa de criatividade e ousadia. A boa notícia é que em todo o país o cinza do concreto, do ar poluído, dos reservatórios vazios e da água suja, comum nos canteiros de obras, está dando lugar ao verde dos projetos que focam na redução de danos, no reuso de recursos, na reciclagem de material e na integração das construções com a natureza e a comunidade. Isso sem onerar as construtoras ou encarecer os imóveis. Assim, um novo futuro, mais colorido e sustentável, começa a ser desenhado.

Levi Torres, coordenador da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), aponta que as principais medidas que estão modificando o setor atualmente no Brasil são a construção a seco, que preserva o solo; a reutilização de água, inclusive a fluvial; a reciclagem de entulhos, que diminui a poluição do ar; a implantação de telhados e fachadas verdes, que causa o aumento do conforto térmico das edificações, a economia da energia elétrica e o uso de fontes de energia renováveis, com a instalação de placas de energia solar nos canteiros e edifícios. “Hoje, já absorvemos 20% do entulhos nas obras em novas construções, mas, segundo a lei, pode ser até de 30% para projetos que não sejam estruturais. Ainda faltam uma mudança cultural e políticas de incentivo. Falta também conhecimento dos processos”, completa.

O especialista acrescenta que a construção civil onera até a saúde pública. “O surto de Zika no Brasil teve contribuição desse mercado”, revela. Transmissível através do mosquito Aedes Aegypt, a doença encontrou nas construções abandonadas e áreas irregulares de descarte de materiais de demolição o habitat ideal para sua proliferação. “Por isso que a sustentabilidade dentro do setor é urgente. Em vez de colocarmos o exercíto nas ruas para limpar obras abandonadas, precisamos de políticas de benefícios que estimulem construções mais verdes.”

Caminhando a passos lentos, ainda que constantes, para o assessor de sustentabilidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado (Sinduscon-PE), Felipe Coelho, Pernambuco está em local privilegiado no ranking de construção verde brasileiro. “Hoje, estamos entre os cinco estados mais avançados em projetos sustentáveis do Brasil. O Shopping Camará, por exemplo, que fica em Camaragibe, é uma referência de projeto verde em toda a América Latina. Acredito que é o mais eficiente já construído em terras brasileiras, uma vez que nenhum caminhão de resíduo foi retirado da obra. É uma quebra de paradigma dentro do setor”, afirma. O mall, que deve ser inaugurado em 2018, conseguiu reaproveitar mais de 15 mil toneladas de lixo transformando-o em brita e outros materiais, numa economia de mais de 3,2 mil viagens de caminhão e quase R$ 1,5 milhão. “Quando falamos em sustentabilidade, muita gente pensa que isso torna a obra mais cara, mas comprar material reciclado de demolição é cerca de 50% mais barato que matéria prima nova “, reforça.

O planejamento da obra e a etapa da pré-moldagem do projeto são considerados o próximo passo para o estado se destacar ainda mais dentro do cenário nacional. “Aqui, a gente passa mais tempo construindo do que elaborando quando o contrário resulta num uso muito mais racional de tempo, dinheiro, recursos e espaço. Mas as construtoras e empreiteiras pernambucanas estão amadurecendo isso e esse é o futuro.” Bruno Luna, diretor de meio ambiente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-PE), complementa afirmando que os compradores de imóveis também já estão dando valor a aspectos de sustentabilidade nos prédios. “Isso ainda não define compra, mas já existe a sensibilização e a preocupação dos pernambucanos com isso”, comenta. O fato reforça a responsabilidade de todos com a sustentabilidade nas obras. Abaixo, reunimos alguns dos principais exemplos de atitudes sustentáveis nas construções em Pernambuco nos elementos água, ar, terra e fogo. Clique e descubra quais os Canteiros sem cinza.

Impactos da Construção Civil

No mundo

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Uso de recursos naturais do mundo pelo setor de construção civil - entre obras e prédios prontos

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Emissões de gases liberados na atmosfera pelas construções, em áreas urbanas

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Consumo da energia elétrica produzida pela construção e utilização de edifícios

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Geração de resíduos pelas construções

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Consumo de toda a água potável do planeta

No Brasil

Os resíduos de Construção Civil e Demolição (RCD) produzidos chegam a

84 milhões

de metros cúbicos por ano. Este volume, caso reciclado, seria suficiente para:
• construir 7 mil prédios de 10 andares
• preencher 33 mil piscinas olímpicas de entulho
• construir 168 mil quilômetros de estradas
• levantar 3,7 milhões de casas particulares
• Desse montante, apenas 20% chegam a ser
reutilizados ou reciclados no país

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Consumo de energia elétrica na construção e utilização de edifícios

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Consumo da água potável nacional

AR

Redução de até 70% de CO²

Fácil de sujar, difícil de enxergar. O ar é um dos elementos menos lembrados quando o assunto é obras, mas o impacto dos processos construtivos atuais na qualidade da atmosfera em que vivemos é o mais expressivo do setor. Estima-se que ele é responsável por até 70% de todas as emissões de CO2 nas áreas urbanas. O que poucos sabem é que para reverter esse quadro e diminuir as famosas ruas empoeiradas em torno de novas construções, os processos e ferramentas necessários são simples e baratos. Entre as diversas possibilidades que estão sendo adotadas por construtoras locais estão as centrais de cortes de material (foto acima), que evitam desperdícios e sujeira; a lavagem das rodas dos caminhões na saída dos canteiros, além de telhados e paredes verdes, que melhoram a qualidade do ar pós-construção. O custo dessas ações não ultrapassa nem 0,02% do valor total da obra.

Cecília Helena, gerente do Sistema Gestão Integrada (SGI) na Moura Dubeux Engenharia, revela que a empresa conseguiu diminuir 10% de todos os cortes e perdas de material em suas obras após reunir todos os cortes em uma central. Custo zero. “Resíduo é desperdício. Antes, cada pavimento tinha uma máquina de corte. Hoje, reunimos tudo em uma central, o que deixa a obra muito mais limpa, reduz a quebra de tijolos e diminui os riscos de acidentes de trabalho”, explica. Outra ação da construtora em seus canteiros é o uso de restos de cimento para a construção de vergas e contravergas, peças de concreto que vão embaixo de todas as janelas para evitar fissuras. “A gente usa o residual de cimento dos caminhões em moldes para fabricar 100% delas. Antes, ia para o lixo.”

Mas o processo adotado que mais está agradando moradores do entorno das obras da Moura Dubeux é a lavagem das rodas dos caminhões que entram e saem dos canteiros. “É fácil, simples e, com isso, a gente não suja as ruas por onde esse caminhão vai passar e nem aumenta a poluição urbana.” E, falando em poluição, a construtora relaciona a qualidade do ar nas obras aos ruídos emitidos nos canteiros. “A poluição sonora também deve estar nas pautas de sustentabilidade, apesar de ser algo esquecido. No nosso caso, retiramos as serras circulares de todos os canteiros pois eram um dos elementos que mais faziam barulho. Foi algo que dependeu apenas de uma decisão e nos traz resultados todos os dias.”

Qualidade do ar melhora com a aplicação de telhados verdes. Na foto, telhado do edifício Charles Darwin

Qualidade do ar melhora com a aplicação de telhados verdes. Na foto, telhado do edifício Charles Darwin

Já nos prédios prontos, a qualidade do ar pode ser ampliada por meio do uso de vegetação em telhados, paredes, pisos e fachadas. O procedimento, inclusive, é lei no Recife desde 2015 (Lei dos telhados verdes número 18112). A capital pernambucana, por sinal, é a primeira do país a tornar o uso das vegetações nos telhados obrigatório. Motivos para isso não faltam, uma vez que aqui é quente e a redução de temperatura entre construções com telhados verdes chega a 5,3 graus Celsius em comparação às tradicionais, além do ganho da umidade relativa do ar de 15% nessas edificações. Percebendo isso desde 2006, quando criou seu primeiro telhado verde, a construtora pernambucana Rio Ave é responsável por grande parte das obras desse tipo no estado. Atualmente, inclusive, a empresa está construindo um dos maiores telhados verdes do país, com 2,8 mil metros quadrados no empresarial Charles Darwin, na Ilha do Leite.

Alan Farrão, gerente de planejamento da Rio Ave, afirma que, quando finalizado, o projeto irá captar 95 mil litros de água por ano, que será reutilizada para aguar o seu próprio gramado e vai tirar 14 toneladas de gás carbônico da cidade por ano. “O uso da vegetação tem função estética e funcional e é uma realidade e só vai crescer. No caso das garagens, as gramas também causam o mesmo efeito, mas é preciso aplicar telhas translúcidas para garantir a luminosidade, projeto que também estamos implementando em nossas obras”, completa. O custo disso, de acordo com Farrão, não chega nem a um aumento 0,02% ao valor total do projeto. É pouco, mas ainda assim, para o gestor, o valor pode atrapalhar na adoção de medidas sustentáveis então ajudaria ao setor se existissem linhas de financiamento especiais para projetos verdes. “Tornar a construção civil mais verde é um papel de todos os agentes do mercado, sejam eles públicos, privados ou os consumidores.”

ÁGUA

Reúso deve ser replicado

A água é o bem mais valioso do planeta. Mas, como é repetido diariamente, é um bem finito e precisa ser preservado. É por isso a necessidade de adoção de práticas que não apenas economizem esse bem natural, mas também conscientizem do melhor uso. A construção civil já entendeu esta necessidade e levou aos canteiros diversas ações de reúso da água. São ações simples mas que, juntas, reduzem em até 65% os gastos desse bem nos canteiros e nos prédios prontos. O primeiro exemplo está no uso da água captada pelas chuvas nas descargas, ou ainda, a água da lavagem das mãos vai para a limpeza do mictório, ações que a Conic traz em quase todas as suas obras (foto acima). E, no Shopping Camará, surge um outro modelo construtivo exitoso chamado cliclo fechado, que já reduziu em 65% o uso de água potável durante a construção do mall e ainda terá como consequência, somada a outras medidas, uma redução de 20% no custo do condomínio para os lojistas.

“É preciso trabalhar todos os conceitos de sustentabilidade possíveis. O reúso da água é um dos mais práticos e talvez o mais importante. Não podemos nunca esquecer que a energia vem da água e as ações para preservá-la são mínimas e não têm altos custos”, disse o CEO da Conic Construtora, Lucian Fragoso. Um dos marcos de sustentabilidade na Conic foi na fase de elaboração do projeto da sede do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em 2012. A obra, localizada na rua da Aurora, foi o primeiro Green Building (edifício verde) com certificação Leed do Recife. O selo indica que, no empreendimento, há redução no consumo de energia em 30%, redução de até 50% no consumo de água e a quantidade de resíduos eliminados caiu em até 80%.

Para citar exemplos recentes, no canteiro de obras do Grand Tower Shopping, ao lado do Shopping Recife, que está em construção, a água que é utilizada nos banhos é reaproveitada para molhar as lajes da obra. Já a água captada das chuvas é utilizada para a descarga. E a água da lavagem das mãos vai para a limpeza do mictório. Segundo o executivo, construir edifícios verdes não é o desafio. A maior questão é levar essa consciência para o dia a dia. “Temos muitos conceitos. Muitas novas tecnologias, mas poucas práticas. Nos empresariais, por exemplo, as ações são para redução no custo de energia mas muito pode ser feito pela água, por exemplo”, enfatizou.

Shopping Camará trabalha com ciclo fechado de água sem desperdício. Divulgação

Shopping Camará trabalha com ciclo fechado de água sem desperdício. Divulgação

O Shopping Camará, em construção em Camaragibe, tem o projeto pensado neste sentido. Na questão da água, o empreendimento trabalha no conceito de ciclo fechado, no qual toda a água é reaproveitada, dentro de um sistema de gestão hídrica. “A importância em investir em sustentabilidade se justifica pelo simples fato de preservar a disponibilidade dos recursos naturais. Este é o conceito-chave de sustentabilidade. No caso da água potável, por exemplo, registramos uma redução do consumo de mais de 65%”, detalhou a gerente de Marketing do empreendimento, Peggy Côrte Real.

O empreendimento deve ser entregue em abril de 2018. A obra é realizada pelas construtoras Carrilho, Casa Grande Engenharia, A. B. Côrte Real, Consulte Engenharia, MASF e Moderno Empreendimentos. O projeto está com 85% de conclusão e, até aqui, algumas práticas de uso racional da água estão sendo adotadas e serão replicadas ao projeto concluído: instalação de estação de tratamento de efluentes; reúso de água em bacias sanitárias, mictórios, lavagem de materiais; Captação e reaproveitamento da água da chuva; uso de equipamentos de baixa vazão de água; educação ambiental com todos os colaboradores e Monitoramento do consumo de água de reúso. Como legado, isso e as demais medidas de sustentabilidade tomadas pelos empreiteiros irão gerar uma redução de 20% no condomínio dos lojistas que irão para o mall.

FOGO (ENERGIA)

Consumindo menos energia

A primeira demonstração de inteligência do ser humano vem lá da idade da pedra, quando se descobre o fogo. Como consequência, veio a luz. Os humanos sempre em busca de inovação, foram se aprimorando e a energia começa a ser reinventada. Do lampião, passamos para as lâmpadas elétricas, depois evoluímos na energia da água, dos ventos, do sol… Hoje, independentemente da forma de geração, o que se busca são as forças renováveis que reduzem o custo e o impacto do uso de energia nos canteiros de obras e condomínios. Na tentativa de reduzir os investimentos e levar os projetos a serem mais autosuficientes, o maior desafio é fechar a conta dos custos na implantação dessas práticas na obra e nos projetos. Quando utilizadas, as medidas como telhas translúcidas e instalação de placas elétricas conseguem reduzir em mais de 30% os gastos de energia elétrica nos edifícios urbanos.

“O maior desafio é levar a prática dos canteiros de obra para os projetos. Os arquitetos ainda não compraram a ideia. E quando compram, sabem que é uma ideia cara. As pessoas não querem pagar, apesar de saber que a longo prazo elas serão beneficiadas”, afirmou a gerente de QSMS (Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde) da Pernambuco Construtora, Maria Carolina Valente. Nos canteiros de obra da empresa, a adoção de práticas para redução no custo com energia vão desde a implantação de telhas translúcidas até palestras para os funcionários sobre a conscientização do uso de energia elétrica (foto acima). “A nossa preocupação com o assunto começou quando resolvemos obter a certificação do ISO 14000, que estabelece metas de economia de água e energia. Pensando nisso, listamos alguns itens que poderiam ser implantados e começamos a replicar nos canteiros”, disse. A certificação do ISO 14000 é constituída por uma série de normas que determinam diretrizes para garantir que determinada empresa (pública ou privada) pratique a gestão ambiental. As normas são conhecidas pelo Sistema de Gestão Ambiental (SGA).

Placas solares do condomínio Morada da Península armazenam o calor que aquece a água dos chuveiros. Reserva do Paiva/Divulgação

Placas solares do condomínio Morada da Península armazenam o calor que aquece a água dos chuveiros. Reserva do Paiva/Divulgação

Entre as ações adotadas neste sentido, está a instalação de telhas translúcidas nas áreas de vivência dos canteiros. “O objeto ilumina o local, dispensando a luz elétrica durante o dia. Em alguns casos, utilizamos a telha associada a uma lâmpada com sensor de presença. Daí, só acende quando estiver com pessoas e realmente muito escuro”, ressalta. A empresa também adaptou os horários do guincho e implantou sensores em todas as áreas, incluindo na fachada, que utilizava um refletor. Segundo Maria Carolina Valente, não existe uma meta de economia de energia a ser implantada no canteiro. “Também não temos como mensurar quanto que economizamos com as telhas translúcidas, por exemplo. Tudo depende do número de funcionários, do tamanho do canteiro e de outros fatores. Antes de iniciar o projeto, fazemos todo o monitoramento e a conscientização dos funcionários”, pontua.

O uso de energias renováveis nos projetos entregues pelas construtoras está mais frequente, apesar do aumento do custo no preço final do imóvel. “As tecnologias estão chegando ao Brasil e com preços mais viáveis. A cada dia, uma tecnologia nova aparece. O maior desafio é viabilizar financeiramente. Apesar de não ser uma exigência, estamos buscando a implantação desses recursos nos projetos e trazer o retorno para o cliente”, ressaltou gerente de Engenharia da Odebrecht, responsável pelas obras da Reserva do Paiva, Victor Amadheu.

O condomínio Morada da Península, composto por 66 casas, foi o primeiro lançamento da Reserva do Paiva, em 2010. As unidades contam com sistema de aquecimento solar – composto por placas de captação que armazenam calor do sol e elevam a temperatura da água, em todas as unidades do empreendimento, o que evita o uso de energia elétrica para os chuveiros. No geral, promove uma economia de até 30% nas contas de luz dos moradores. “Alguns proprietários já ampliaram para outro sistemas da casa e não apenas para o aquecimento da água”, detalha. Além do sistema de energia solar, o Novo Mundo Empresarial, também no Paiva, foi construído com a utilização do vidro de alta performance, que barram os raios ultravioletas e geram uma economia de ar e de iluminação. Todas as áreas comuns possuem sensores de energia.

TERRA

Reaproveitando os resíduos

Terra é área, é ocupação das pessoas no solo e é espaço físico dos ambientes. Nem sempre ela é bem utilizada e nem sempre ela serve para todos. Por isso mesmo, está crescendo no mercado um modelo de construção que surpreende com ganho de área e de diminuição de resíduos. Trata-se do Light Steel Frame (LSF), considerado o futuro da construção sustentável no Brasil e já realidade em boa parte do mundo. Nele, é quase tudo menos: menos geração de resíduo sólido, menos necessidade de cargas, menos espaço, menos caminhões carregando material, menos peso sobre o solo. E o que é mais é muito mais. Mais ar puro, mais área interna, mais velocidade, mais produtividade e mais interesse social.

Imagine construir uma casa com um ganho de área de 5%. Pode parecer pouco, mas representa muito em tempos de arquitetura compacta como a que vem sendo comercializada pelo mercado imobiliário. O ganho é possível pela troca de cimento e tijolo por estruturas de aço galvanizado (foto acima). O LSF tem espessura mais fina que as estruturas de alvenaria. De acordo com Sávio Neiva, diretor da fábrica pernambucana Bonanza Steel Frame, o primeiro ponto é que o produto é 100% reciclado e reciclável, um princípio básico de hoje: reaproveitamento. Imagine no futuro. “Não se considera mais construir com tanto impacto ao meio ambiente. Obras comuns geram entre 34% a 38% de resíduos do material usado. É muito ainda. É atraso. No nosso tipo de construção, a seco, o resíduo é 0,01%. É outro retrato de obra quando se pensa em meio ambiente”, pontuou.

Foi o caso da construção de residências no município de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. A obra, assim como as demais que utilizam a estrutura, vem sendo realizada em velocidade que representa um ganho construtivo que permitiria implantação em escala. Para se ter ideia, a média de construção em LSF representa pelo menos um terço do tempo gasto em construções comuns. “Devido ao processo ser industrializado, as etapas de obra são atividades de montagem. Sem atividades como reboco, chapisco, corte de tijolos de mais procedimentos da construção convencional, tem obras que duram apenas 10% do tempo de uma obra comum”, garante Neiva. O mesmo material pode ser usado para ambientes comerciais, como foi implantado no restaurante Bongustaio e na rede de supermercados Frutaria, ambos no Recife.

Hortas são nova ocupação de espaços nas edificações. MRV/Divulgação

Hortas são nova ocupação de espaços nas edificações. MRV/Divulgação

Além disso, o diretor da empresa afirma que o produto faz girar uma cadeia importante da economia sustentável. “O material que é o insumo é reciclado e reciclável. O aço, por exemplo, de uma bicicleta enferrujada ou de uma lata pode ser queimado e se transforma em material virgem, para ser repensado para qualquer outro projeto. Benefício para a camada de ozônio. Como o material é planejado nos moldes específicos, a estrutura só viaja para ser montada, ou seja, menos tráfego de caminhão, menos diesel queimando e poluindo o ambiente, além de menos entulho e resíduo construtivo nos canteiros. No fim, o nosso projeto pesa apenas 6% de um projeto comum com cimento e tijolo”, ressalta. “Você leva toda a casa em um única carreta”, reforça.

Apesar das vantagens, o segmento está atrasado no Brasil. O Light Steel Frame tem 40 anos no mercado nacional e hoje só tem 6% de tudo que é construído no país. “Mas estamos em um movimento crescente, inclusive porque sustentabilidade é a conexão com a cidade. As construções a serem fomentadas têm que ser as que trazem reflexos positivos para os cidadãos. É o caso da saúde. Postos de saúde estão lotados, por conta de ácaros e doenças alérgicas. O nosso material entrega uma casa 100% insalubre, a seco, sem acúmulos ou pontos construtivos que exigem secagem. Associados a um bom projeto de arquiteto ou engenheiro, o material adapta-se a construções de qualquer plano, dos luxuosos aos conjuntos habitacionais para moradia popular. Apostar nisso é ganho social”, sugere.

E as construtoras também estão investindo em práticas sustentáveis visando melhorias na terra dos condomínios prontos. A partir da ideia dos funcionários, a MRV, por exemplo, está implantando no seu novo projeto Real Garden uma horta que será adubada por compostagem e ficará disponível para os moradores gerenciarem, com pomar e tudo. “Nosso maior desafio é transformar a cultura das pessoas, despertando para o senso de responsabilidade que temos que ter com a natureza com sua finitude e as consequências que o mau uso gera. No caso do Real Garden, nosso mais novo empreendimento, os novos moradores também terão esse entendimento e terão um pomar para gerenciar, sem precisar de um alto investimento porque nós já entregaremos o residencial com o projeto”, ressaltou a Assistente de Qualidade e Meio Ambiente da MRV Engenharia, Christine Rupp Ferreira.

“Os prédios precisam se conectar à cidade”

Sempre que se fala em sustentabilidade na construção civil, o risco de reduzir o debate a gerar “prédios com economia de água”, “com geração de energia renovável” ou “que causem menos impacto ao meio ambiente durante a obra” é muito alto. É positivo, mas precisa mais. O princípio da sustentabilidade é pensar nas gerações futuras, nas demandas dessas pessoas que viverão lá na frente e terão necessidades que precisam ser atendidas pelas casas, pelos prédios, pelas cidades. Principalmente por essas últimas. Os edifícios precisam voltar a se conectar com o meio ou corre-se o risco de falir as cidades. A mobilização por uma construção mais eficiente é urgente e precisa sair de todos os agentes. Hoje, quando os prédios à beira-mar não abrem as janelas, construir algo que não inclui ar condicionado virou obra sustentável e atualíssima, embora seja “roteiro velho”. As construções da década de 1970, por exemplo, têm muito a ensinar. Ainda. O resgate ao antigo que continua referência, além de uma luta contra as interferências mundiais que não se aplicam ao contexto local, é combate real que precisa ocorrer. Em conversa com o Diario, o arquiteto urbanista e presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco, Roberto Montezuma, avaliou o cenário da construção civil, do mercado imobiliário e projetou a missão de todos os agentes que querem a mudança desse formato de prédios e cidades segregados para a construção de cidades que abraçam.

Roberto Montezuma. Paulo Paiva/DP

Sustentabilidade é assunto antigo na construção. Funciona na prática ou não?
Tem muita coisa que já se pratica, mas outras não. Porque qualquer novidade que você inclui numa sociedade é preciso romper paradigmas. Você não muda uma cultura da noite para o dia. Há quanto tempo a gente constrói com tijolo e cimento? Como fazer um produto diferente ser aceito? É difícil. Mas ser sustentável pode ser com conceitos históricos. O livro Roteiro para construir o Nordeste, por exemplo, é de 1970, mas é completamente atual. Projetar sem ar condicionado. Hoje, você tirar o ar condicionado de um projeto é uma coisa muito atual.

Qual a ideia principal que não foi aproveitada desse conteúdo histórico?
Quando a gente chega em uma região quente e úmida, como o Nordeste, os princípios desse produto lá de 1970 ainda caem como uma luva. São: pensar o edifício como uma grande sombra, projetar para criar uma grande sombra, como uma árvore, onde as pessoas possam viver. Recuar paredes, vazar muros para permitir que o vento circule, proteger janelas do Sol, abrir portas, ou seja, integrar espaços e conviver com a natureza. São pontos simples colocados lá atrás e que, muitas vezes, não são considerados. O edifício é isso. Esse princípio perdurava, principalmente quando o ar condicionado era caro e difícil. Ou seja, você, para sobreviver, precisava fazer isso. É o caso das igrejas, das grandes casas. Isso é sustentável. Na hora que faz sombra, reduz a carga térmica. Quando você tem o clima quente e úmido, você coloca sombra e permite que o vento circule para ter a sensação de agradabilidade. São princípios básicos de convivência, em um roteiro de 1970 que já contemplava isso.

O que ocorreu para essa mudança de rota no pensamento sustentável?
A cultura da imagem no Brasil fazia ele pensar nele, mas o Brasil abriu as portas e se abriu para o mundo de maneira que absorveu muita coisa midiática, muita coisa de imagem de fora, que você muitas vezes faz a gente questionar: se adapta à nossa realidade? A cidade adequada é construída de acordo com o lugar. Construir um edifício aqui não é a mesma coisa de Manaus. É preciso entender o lugar. Quando entender, volta para o Roteiro para construir o Nordeste, que continua atual. Mas começou-se a desmontar esses princípios. O natural começou a ser desmontado, porque o ar condicionado resolve, por exemplo.

Quando foi essa mudança?
Depois dos anos 1980 começou. Veio essa mudança de rota do que estava sendo construído. Copiou-se o padrão internacional. As pessoas veem em filme e começam a montar um repertório e uma reprodução. Lugares que janela não abre, que não têm circulação de vento, de ar. O clima do Recife, por exemplo, é um dos melhores do mundo. Fala-se muito do calor, mas, por exemplo, nosso clima nunca cai para menos de 20 graus e nem ultrapassa os 36 graus. A sensação térmica é alta pela umidade do ar, ou seja, o mormaço. Isso se resolve com brisa. A sensação de conforto vem da brisa. Se o vento correr, tem conforto ambiental. Parou-se de pensar nisso.

Por que as construções pararam de contar com os recursos naturais, que a priori é mais barato?
Deixaram de perceber que o meio natural é o verdadeiro provedor da agradabilidade. Nada justifica prédios à beira-mar e que as pessoas fecham as janelas. Não é fechar por fechar, é fechar sem poder abrir mais. Isolaram o edifício. Prédios, além de terem que aproveitar e otimizar a sua eficiência energética, têm um papel na cidade. A pessoa pensa: vou colocar painel solar, vou colocar ventilação cruzada, vou usar beirais prolongados, vou colocar várias coisas. A gente tem que pensar que o edifício tem impacto no lugar que ele atua. Boa viagem é praxe. Sol até 14h. Depois, tem que ficar entre os prédios pra tomar sol. Ele (o prédio) pode até ser sustentável nele, mas e o impacto que ele está gerando na cidade? É uma orla, que tem todo um ecossistema… Imagine promover uma verticalização em Porto de Galinhas, onde você tem períodos de desova de tartarugas, por exemplo. Você pode acabar com esse ecossistema.

Dá para se planejar, no Recife, por exemplo, um prédio novo sem ar condicionado?
O edfício da Sudene foi todo projetado para não utilizar o ar condicionado. Fachada poente em cobogó, com circulação de ar, é exemplar. O vento é forte e você tinha que controlar quando se trabalhava lá. Se vivia bem, com agradabilidade. Só de você pensar algo sem ar condicionado é sustentável. Antigamente, nas construções de 1970 e 1980, ar condicionado era uma coisa muito cara e a própria energia era muito cara, então pensava-se em mais soluções sem tanto uso desses equipamentos. Hoje, não se cogita. É um erro.

A gente tem uma geração de construções perdida, então?
A mais recente, sim. Construções fechadas, sem conversar com o exterior. Tudo pensado no próprio prédio e como ele pode ser independente dos demais agentes da cidade. E tudo em curto prazo. As pessoas criticam muito os espaços dedicados à garagem. Se constrói com mais espaço para carro do que para pessoas. Se você tem um espaço de garagem e pensa em um futuro com a mobilidade melhor, com as pessoas cada vez mais abrindo mão de estar de carro, é desperdício de área construída. Se a perspectiva é de sustentabilidade, de usar menos carro, de poluir menos, esse espaço precisa ser questionado pela arquitetura e pela engenharia. Você quer se deslocar e não mais um carro com você, apenas. Você gasta uma hora pra ir ao trabalho e deixa ele parado por oito horas enquanto trabalha para usá-lo de novo por mais uma hora pra voltar. Não tem nada sustentável você fazer uma construção toda vazada, com ar natural, mas que é feita para guardar um carro por oito horas para você usar duas horas no dia. A cidade precisa funcionar melhor, de forma mais inteligente.

Qual o erro mais claro?
A gente continua gastando pouco tempo no planejamento e muito na execução de projetos. Vale para o mercado imobiliário, arquitetos e engenheiros na busca por entregas rápidas para atender demandas habitacionais. Essa velocidade atrapalha. Você acelera para vender e entregar, mas perde tempo revisando a construção no meio ou fazendo reformas que um bom planejamento evitaria. É sentar e gastar a cabeça. Você ganha na frente. Pensar direito para não ter problema. É um erro comum na cidade, que gera perda de tempo, de material, de tudo.

O que fica de missão para os agentes responsáveis por novos edifícios a serem construídos?
No mínimo, prédios flexíveis. Pensar lá na frente, pensar que o prédio de agora vai ser usado por outra geração, que quer outras coisas. Esse caso das garagens, por exemplo. Pensa-se garagem para atender a essa geração que ainda quer carro, mas se a próxima não quiser, essa construção tem flexibilidade para dar outra utilidade a esse espaço de garagem? Isso tem que ser pensado, além da conexão entre prédio e cidade. Está esquecido.

Qual seria o conceito primordial dessa conexão cidade e edificações?
É preciso manusear a cidade quente e úmida. Se você projeta prédios com árvores, com calçadas largas, resulta em um lugar convidativo, para você ficar. Essa grande sombra protetora e generosa que a edificação tem que oferecer foi perdida, deixando as cidades quase sempre iguais. É pensar a cidade vibrante, acolhedora, com uma visão de cidade que faça as pessoas buscarem-na e não se isolarem.

De quem é a missão de reverter esse quadro?
Quem faz a cidade poluída somos nós. Quem faz a cidade de congestionamento somos nós, que saímos com os carros. Quem faz a cidade mais arborizada também somos nós, os agentes da cidade, seja gestor público, empresas, mercado ou cidadão. Todos somos responsáveis.

E como o senhor avalia o pensamento geral de quem faz a cidade?
É preciso mais reflexão. A tecnologia chegou, mas precisa ser observada. Não é negar, mas é usar a tecnologia de forma que se questione como ela se encaixa sob medida para as cidades. E não aplicar um receituário. Porque isso também gera imagem. Será que essa cidade novaiorquina é a nossa cidade, é a que combina com a gente? Sombras são convites, são abraço. A avenida Guararapes é um espaço esquecido, mas continua um convite. Se chove você continua andando por ali pelas galerias, vivendo a cidade. Hoje, se você anda em algumas ruas e chove, você não tem para onde correr. Esse modelo shopping tem que ser repensado. Não é negá-lo, mas saber conviver com essas interferências externas. A cidade é coletiva. É diálogo de várias pessoas, é uma mesa redonda.

O mercado imobiliário pensa de que forma?
Ele precisa se abrir para esse novo mundo. Os códigos, as maneiras de se olhar a cidade estão esquecidos. O mercado deu as costas para uma cidade sustentável. É a hora de rever e enfrentar, dar a face. E essa cidade sustentável vai existir quando existirem edifícios sustentáveis, que sejam mais amigos da cidade e menos protegidos da própria cidade. Os prédios têm que estar abertos para a própria cidade, sem bloqueio.

Muito se justifica com a questão da segurança para os prédios serem fechados, muros altos, sem contato com a rua. Justifica?
Isso é um ciclo vicioso. Se você continuar pensando assim vai ser sempre seguro dentro e completamente inseguro fora. Quanto mais os prédios se fecham e ficam seguros, mais a cidade fica desprotegida. Se resguardar dessa forma é uma “anti-cidade”. As comunidades, por exemplo, são diferentes. A rua é quase uma extensão da casa, todo mundo se conhece e essa abertura gera segurança.

É um fenômeno do Recife, de Pernambuco?
Não. É nacional. É um problema do Brasil, mas o ponto positivo é que agora as pessoas, os agentes estão cada vez mais buscando discutir as cidades. O conceito de arquitetura e urbanismo assegura o pensamento de que você constrói a cidade. O mercado imobiliário entrega os projetos porque você quer isso, mesmo gerando uma “anti-cidade”. Esse modelo é cidade sem sustentabilidade. E as pessoas pedem o que tem de modelo, mas por falta de conhecimento também. E esse aumento do debate é bom por isso, para o conhecimento provocar novas demandas. Passar a exigir outro tipo de construção.

O mercado está pronto para entregar a demanda de uma nova geração que quer sustentabilidade em casa?
O medo é colocar a questão da sustentabilidade como estilismo. Uma maquiagem. Ah, eu sou sustentável porque eu separo lixo, mesmo que no carro do lixo junte tudo e pronto. É uma caricatura, mas é um exemplo simples de um ponto complexo. É um momento de muita reflexão, que não acaba aqui. Essas cidades com árvores vão fazer as pessoas irem mais para a rua, ver prédios com fachadas transparentes, fachadas ativas. Ela também vai gerar uma cidade mais dinâmica, com espaços públicos atraentes, movimentados. É voltar a olhar à cidade e ver como ela está desgastada. De como a fiação enfeia a cidade, um descaso do gestor dessa cidade que não está sendo cuidada do lado de fora, espaços públicos degradados, sem calçadas. É dado à calçada o espaço que sobra quando se projeta o espaço dos carros. Então é um pensamento que se esquece do principal, que são as pessoas. A cidade é o palco das pessoas e não um ponto segregador. Ou muda ou então a nossa civilização está perdida. Segregação gera guerra.

O futuro é difícil?
Não, não é. Tem que se pensar, refletir, provocar. A cidade colapsou. A cidade é hostil. Precisamos transformar essa cidade na que precisamos. Não é a que queremos. É a que precisamos. Toda cidade quer ter economia inclusiva, vibrante, completa. As construções integradas, conectadas fazem a cidade aprender com ela. Cada cidade tem um pensamento e não pode ter um modelo aplicado em todas. Esses modelos externos podem não se integrar a um contexto local. Inclusive como fomentador do turismo. Por que as pessoas decidem vir ao Recife? Tem algo que é diferente do Rio de Janeiro, de Salvador, de Caruaru. Se a gente não tiver mais essa identidade, a gente está perdido.