Márcio França (PSB) – vice-governador de São Paulo

“Eduardo foi uma grande oportunidade que o Brasil deixou de ter”

 

Sávio Gabriel e Rosália Rangel

Para o vice-governador de São Paulo, Márcio França (PSB), o tempo de Eduardo Campos havia chegado. Em entrevista ao Diario, o aliado político e amigo pessoal do ex-governador pernambucano desde 1991, ano em que Campos ingressou no PSB, afirma que se dedicou intensamente ao projeto presidencial do socialista. “Eu disse a ele muitas vezes: você só não vai ser presidente se morrer antes. Claro que jamais iria supor uma situação como essa”, lembra, acrescentando que Eduardo foi “uma grande oportunidade que o Brasil deixou de ter”.
O socialista lembra, ainda, das características que mais lhe chamavam a atenção no pernambucano. “Ele era um bom político e gestor. É difícil isso acontecer na vida pública”, comenta, acrescentando que Eduardo era sinônimo de uma “gestão com eficiência e políticas públicas”. Para ele, a forma de gestão adotada por Campos assemelhava-se muito à do avô, Miguel Arraes. O compromisso com as coisas populares e mais simples e com a própria esquerda eram algumas delas, segundo o vice-governador paulista.
Naquele 13 de agosto de 2014, Márcio França estava em Santos (SP) aguardando a chegada de Eduardo. Eles participariam de um evento e, depois, iriam fazer uma gravação para o guia eleitoral do presidenciável. “Ficamos quase uma hora sem comunicação. Ninguém sabia nada, só que o avião estava incomunicável”, lembra o socialista sobre os momentos de angústia antes da confirmação oficial. “Foi quando o prefeito de Santos (Alexandre Barbosa) me ligou e perguntou se eu conhecia uma das vítimas. Era o piloto”.
Durante a entrevista, o vice-governador paulista ressalta, ainda, o enfraquecimento da relação política entre Eduardo Campos e a presidente Dilma Rousseff (PT). Segundo ele, os primeiros sinais de que a aliança estava com os dias contados apareceram logo após as eleições de 2010. Confira abaixo os tópicos da entrevista:

Convivência com Eduardo Campos
Eu conheci Eduardo acho que 15, 20 anos atrás, quando ele entrou no partido. Eu já era vereador em São Vicente (SP) e minha ligação era com doutor Arraes (avô de Eduardo). Quando larguei a Prefeitura de São Vicente, depois de dois mandatos, doutor Arraes me pediu para coordenar a campanha de (Anthony) Garotinho no Brasil. Depois ele (Eduardo) foi crescendo rapidamente na política. Na convivência, era uma pessoa muita espirituosa. Uma pessoa de uma luminosidade. Um homem trabalhador. Acabamos criando uma relação muito próxima. Fiquei como tesoureiro do partido, enquanto ele foi presidente nacional.

Projeto presidencial
Talvez eu tenha sido a pessoa que mais incentivou Eduardo a disputar a campanha para Presidência da República. Tinha convicção e tenho até hoje que se ele tivesse disputado a eleição, ele teria ganho. Disse muitas vezes: ‘você só não vai ser presidente se morrer antes’. Claro que jamais iria supor uma situação como essa. Ele tinha as características que estavam casadas com aquele momento. O tempo de Eduardo tinha chegado. O tempo daquela ideia, que é uma gestão com eficiência, mas com política pública. Ele era um bom político e um bom gestor. É difícil acontecer isso na vida pública. Ele tinha habilidade política, mas era também eficiente como gestor. Era muito disposto o tempo todo. […] Eduardo a princípio não tinha essa ideia, mas foi estressando a relação com a Dilma. Cada vez mais ficando pior. Ele alertava, ela não entendia. Chegaram a conversar algumas vezes sobre os ministérios. Era difícil tirar as pessoas dos ministérios até que um dia, quando o Palácio do Governo estava no Centro de Convenções, em Olinda, estivemos aqui, eu, Beto (Albuquerque), Carlos Siqueira, doutor (Roberto) Amaral, e dissemos: ‘olha, Eduardo, chegou a hora. Ou você decide ou não’. Ele estava nervoso tamanha a responsabilidade. Disputar com os dois maiores partidos do país. Mas sempre foi uma característica dele ser corajoso, determinado e aí ele topou.

Relação política com a presidente Dilma Rousseff (PT)
Quando a Dilma se elegeu, nós tivemos um diálogo entre a direção do partido, aqui no Palácio. Ele havia indicado meu nome para ministro, junto com Fernando (Bezerra Coelho) para dois ministérios. E Dilma recusou. Eu senti no olhar dele que essa relação não ia dar certo. Ela não tinha a noção de quem era Eduardo. Lula tinha. Lula percebia nele a vocação e ela não. E ele insistia em dar uma chance pra ela, mas era como esperar uva de bananeira. Então, naquele dia, eu pedi autorização do partido para ser secretário de estado em São Paulo. Isso era novembro ou dezembro de 2010, antes da Dilma tomar posse.

Dia do acidente
Ficamos quase uma hora sem comunicação. Ninguém sabia nada, só que o avião estava sem comunicação, porque eu estava em contato com uma pessoa da Base Aérea. Foram instantes muito angustiantes. Ele iria para o hotel. Quando ele foi embarcar, eu soube depois, a Marina estava junto. Ela não veio no mesmo avião porque ela sabia que o evento era comigo. Ela, na verdade, não faleceu por conta disso. Ele vinha para esse evento, lá no hotel do Guarujá. Na verdade, nós íamos gravar ele anunciado a proposta do fim das áreas de marinha. Ele gravaria essa cena com o fundo onde Lula morou. Lula morava em uma favela do Guarujá que até hoje está lá. Então, ficou lá o barquinho para fazer isso (a travessia). Nós atravessamos o barquinho ainda na dúvida. O prefeito de Santos ligou e me perguntou: ‘você conhece uma pessoa de nome Marcos Martins? Era o piloto. É que nós achamos o RG’. Na hora que soube definitivamente estava dentro da barca, atravessando. Quando chegamos do lado de lá nós, fomos para a prefeitura. O governador já estava descendo (a serra, em direção a Santos).

Um ano depois
O Brasil perdeu muito. Tinha uma expressão que ele usava muito: a gente pode ter saudade do futuro. Parece uma frase meio inconcludente. Parece que não encaixa, mas ficou claro na sensação que as pessoas tiveram . No dia que ele faleceu, ficou conhecido. Aí o Brasil inteiro conheceu. E a gente mediu no dia do falecimento que foi uma comoção semelhante à de Ayrton Senna. Então, não teve igual no Brasil em parâmetro de comoção no Brasil […] o país deixou de ter uma grande oportunidade. O destino fez com que nós não tivéssemos a chance de ter um presidente que seria super diferente, porque o jeito dele governar devolveria a esperança das pessoas. As crises passam. Já tivemos várias, mas o problema é que as pessoas não veem uma luz no fim do túnel. Não têm esperança. Não sabem para aonde vai. Não sentem a sensação de que isso vai acontecer um dia. Ele era a própria sensação de que isso iria acontecer. Muito otimista. Muito alegre. Uma pessoa muito espirituosa. Me lembro de uma expressão específica que ele falava: ‘os trabalhadores vão descer depressa os degraus que com dificuldade subiram’. Pessoas das classes mais simples subiram degraus, agora estão escorregando rapidamente. Em março e abril, perdemos 200 mil empregos. Não está correto. Mas ela (Dilma) não faz por mal. A presidente não sabe como sair desse problema. Ela terceirizou a economia, a política e foi andar de bicicleta.