Matias de Albuquerque, o defensor da capitania

Com poucos recursos, ele resistiu durante cinco anos aos poderosos flamengos, donos do melhor exército do mundo

Matias de Albuquerque Coelho estava no Cabo de Santo Agostinho, em junho de 1635, quando recebeu a péssima notícia: o Arraial do Bom Jesus, quartel-general da resistência, sob seu comando, fora finalmente capturado pelos holandeses. Cercados, sem alimentos, seus defensores comeram até couros de sapatos e de arreios bem cozidos. Mas, quando já não havia nem um grão de pólvora, tiveram de se render. Agora, além do Rio Grande Norte e da Paraíba, Pernambuco também já caíra, praticamente, sob domínio inimigo. O quadro era muito grave e sérias decisões precisavam ser tomadas.

Matias, porém, era neto de Duarte Coelho, o enérgico primeiro donatário da capitania, e filho de Jorge de Albuquerque, um dos maiores guerreiros do seu tempo. Ousadia e determinação nunca lhe faltaram. Então ele pensou, pensou, pensou, e cometeu o maior erro da sua vida…

O PERIGO HOLANDÊS

Pode-se dizer que o destino de Matias foi traçado antes do seu nascimento; mais precisamente, na batalha de Alcácer-Quibir, travada pelos portugueses contra os mouros no Marrocos, norte da África, em 1578. Lá, seu pai, o pernambucano Jorge de Albuquerque, foi gravemente ferido nas pernas; e não podendo mais andar, jamais retornou à sua terra natal: ele ficou em Lisboa, onde casou e onde nasceram e cresceram seus dois filhos, Duarte e ele.

Além disso, como, naquela tragédia africana, o jovem rei D. Sebastião desapareceu sem deixar vestígios nem descendentes, Portugal acabou ficando sob domínio espanhol. E como a Espanha estava em guerra com os Países Baixos — uma confederação de sete nações, entre as quais a Holanda — Pernambuco, um grande produtor açúcar, tornou-se uma província do império espanhol e passou a ser visado pelos flamengos.
E Matias seria um importante personagem do confronto entre essas duas potências mundiais.

Em 1620, com apenas 25 anos de idade, ele recebeu do rei Felipe III uma missão formidável: defender a capitania que fora do seu avô, depois do seu pai, e agora pertencia ao seu irmão mais velho, Duarte, que estava prestes a ser invadida. E lá veio ele para cá pela primeira vez, numa esquadra de dez navios, com o posto de capitão-mor e um salário anual de trezentos mil réis.

AGUARDANDO A LUTA

Os flamengos, porém, só chegaram em 1624, e foram para a Bahia. Eles desembarcaram com três mil homens em Salvador, de onde foram expulsos por doze mil soldados espanhóis, enviados para lá no ano seguinte. Então, em 1627, Matias foi chamado de volta à Europa. Mas, em 1629, mandaram-no para cá de novo, devido a uma nova ameaça de ataque a Pernambuco. E, dessa vez, deram-lhe apenas uma caravela e 27 soldados.

O problema é que a Espanha católica, naquele momento, estava em guerra não só com os Países Baixos, mas também com grande uma aliança de países protestantes, na Europa. Consequentemente, com os cofres vazios. E ele teve de se virar praticamente sozinho. Então, planejou uma “guerra lenta”, de desgaste, na qual o inimigo só teria prejuízos até desistir da empreitada ou ser expulso, tal como ocorrera na Bahia.

No dia 14 de fevereiro de 1630, os holandeses chegaram, enfim, com sete mil tropas. Eles desembarcaram na praia de Pau Amarelo e, apesar da brava resistência de Matias, logo se apoderam de Olinda — que, ao final do ano, seria incendiada por eles — e do Recife — que, por ser mais fácil de defender militarmente, foi escolhida para ser sua capital.

O capitão-mor, então, recuou para o Arraial do Bom Jesus, uma fortaleza erguida por ele às pressas, mas extraordinariamente sólida. E os invasores conheceram a sua primeira derrota, tentando conquistá-la.

A partir daí momento, a estratégia de “guerra lenta” começou a funcionar.

O CERCO DO RECIFE

O plano era simples. Difícil era a sua execução. Os índios de Felipe Camarão e os guerrilheiros do capitão Rebelinho ficavam de tocaia, escondidos no mato, o tempo inteiro; e qualquer holandês que pusesse o pé fora do Recife, até para tirar um caju no pé, arriscava-se a levar uma flecha ou uma bala certeira, disparada por um atirador invisível.

Assim, os invasores só tinham para comer o pão, a cerveja e a carne de porco salgada trazidos da Europa, em quantidade insuficiente; afora os gatos e ratos recifenses que conseguiam apanhar. E pela falta de frutas e verduras eles sofriam de inúmeras doenças, como cegueira noturna e disenterias, além da perda de dentes, devido ao escorbuto.

Por fim, longe dos engenhos de açúcar, que ficavam no interior, os flamengos só faturavam alguma coisa quando capturavam alguma nau portuguesa ou espanhola, trafegando entre o Brasil e a Europa.

Por outro lado, no Arraial do Bom Jesus, as tropas praticamente não recebiam soldo, nem roupas, nem calçados. A pólvora era artigo de luxo, e até os chumbos das redes de pesca foram transformados em balas. Só a extraordinária firmeza de Matias tocava a luta adiante; inclusive, contra a vontade de muitos senhores de engenhos que, desesperados com os prejuízos causados pela guerra, tinham muito interesse num acordo com os invasores.

E assim se passaram dois anos, com a luta empatada. Se os flamengos não conseguiam se apossar do interior, tampouco se retiravam do Recife, onde Matias os mantinha cercados. Nem a chegada de Duarte de Albuquerque, o irmão mais velho do capitão-mor, e de um militar experiente, o Conde de Bagnuolo, à frente de algumas tropas espanholas e napolitanas enviadas pelo rei, mudaram esse quadro.

Só aconteceu alguma coisa quando Domingos Calabar, que lutava por Portugal, trocou de lado.

Um novo Moisés conduzindo seu povo

O “mameluco” Calabar, filho de um português com uma índia, era muito inteligente e conhecia Pernambuco como ninguém. Com ajuda dele, os flamengos passaram a também usar táticas de guerrilha, fazendo Matias provar do seu próprio veneno. Nem a entrada na luta do valente Henrique Dias, à frente de uma tropa de negros livres, resolveu o problema do capitão-mor português. Que, mesmo assim, ainda resistiu por três anos até o golpe final, a tomada do Arraial do Bom Jesus.
Então, Matias baixou um polêmico decreto que custou muito caro a ele e a milhares de pernambucanos: mandou que todos os moradores da capitania se retirassem! Quem ficasse, seria considerado traidor! E dos 150 engenhos que havia em Pernambuco, a metade foi abandonada. Cerca de oito mil pessoas, homens e mulheres, jovens e velhos, seguiram seu capitão, a duríssimas penas, para a terra prometida. Neste caso, a Bahia.

No caminho, passando por Porto Calvo, o capitão-mor ainda teve a sorte de esbarrar com seu maior desafeto, Calabar, que prendeu e mandou executar imediatamente. A grande retirada, porém, desagradou profundamente aos seus superiores, que o chamaram de volta para a Europa, onde ficou preso por cinco anos.

Mas, quando Portugal declarou independência da Espanha, em 1640, ele saiu da masmorra para se tornar o herói da batalha de Montijo, que deu fim a uma dominação de oitenta anos.

Alquebrado e doente, contudo, após tantos anos de guerra e prisão, em condições duríssimas, Matias de Albuquerque retirou-se da vida pública. E morreu em Lisboa, em 1647, aos 52 anos de idade, com o Pernambuco pelo qual tanto lutara ainda sob o domínio holandês.

Um verdadeiro sacrilégio

Avaliando que Olinda, a vila mais rica e povoada do Brasil, era “aberta por muitas partes” e, por isso, indefensável, os flamengos a destruíram. Eles puseram fogo em casas, igrejas e conventos, sem poupar nem as imagens de santos, e levaram as pedras das construções para com elas erguerem novos prédios no Recife. Um vilarejo que, além de possuir um porto excelente, era cercado de água. E, portanto, mais fácil de proteger, em caso de ataque.

Governadores do Brasil X Capitães de Pernambuco

Muito orgulhoso e prepotente, além de corajoso, Matias desembarcou aqui pela primeira vez, em 1620, já causando polêmica. Ele mandou que toda a população de Olinda fosse recebê-lo no Varadouro, e subira até a Sé debaixo de um pálio de seda, ao som de caixas e trombetas. Com isso impressionou, mas também irritou muita gente. Inclusive seu primo Luiz de Souza, o governador-geral, que, de Salvador, reclamou ao rei de tanta ostentação. E reabriu uma velha disputa, iniciada com Tomé de Souza, em 1548: os governadores do Brasil achavam que os capitães de Pernambuco tinham poder e autonomia demais, para o gosto deles.

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