Pedro de Araújo Lima, o Marquês de Olinda

Extremamente conservador, ele foi o político mais influente do País durante o Segundo Reinado

Em janeiro de 1866, o Brasil estava metido no seu pior conflito internacional, a Guerra do Paraguai. E vivia uma grande instabilidade política, com ministérios que duravam em média um ano até serem derrubados pela Câmara de Deputados. Então, o grande escritor José de Alencar — na época, deputado pelo Partido Conservador — resolveu apelar a um importante personagem que, em sua opinião, era o maior responsável pela crise.

A carta aberta enviada pelo cearense ao presidente do Conselho de Ministros, o Marquês de Olinda, então com 73 anos, começa irônica: “Chegastes, Marquês, à idade em que outrora os pecadores se faziam beatos e os estadistas escrevem memórias, como um monumento da pátria, múmia da história brasileira”, ele escreveu. “Mas, para quem descobriu a eterna juventude, os anos acumulados tornam-se motivo de vaidade. Vós sois como a bela Ninon de Lenclos, que aos oitenta anos ainda fazia conquistas e afrontava as mocinhas”.

O tom, porém, logo muda: “Para vós, contudo, ainda não chegou o tempo das memórias. Estais com as mãos na obra e a Divina Providência vos oferece a oportunidade, raramente concedida aos estadistas, de se redimir das culpas do passado. Na robustez da idade, podeis aparecer na História do Brasil dando um testemunho admirável de abnegação e modéstia”.

Quais seriam as “culpas do passado” do Marquês, e como ele reagiu ao pedido do escritor, é o que veremos adiante…

DEPUTADO EM LISBOA

Pedro de Araújo Lima nasceu em Serinhaém, em 1793, filho do capitão Manoel de Araújo Lima e de Anna Teixeira Cavalcanti, ambos da mais fina aristocracia açucareira de Pernambuco. Seus ancestrais vieram para cá de caravela, nos tempos de Duarte Coelho. Na juventude, estudou no Seminário de Olinda, então o melhor centro de ensino do Brasil, e em 1813 foi cursar Direito em Coimbra, a única universidade do Reino. E quando rebentou a Revolução de 1817, em Pernambuco, ele estava na Europa, por isso não precisou se posicionar nem do lado brasileiro nem do português.

De volta à sua terra, em 1819, foi logo nomeado ouvidor. Então, os lusos se levantaram contra o poder absoluto de D. João VI, em 1820, na Revolução Liberal do Porto. E Araújo Lima iniciou sua carreira política como um dos representantes de Pernambuco nas “Cortes”, uma assembleia de deputados de todo o Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, reunida em Lisboa.

Nas Cortes, contudo, os portugueses, em ampla maioria, tentaram suprimir algumas vantagens adquiridas pelo Brasil após a mudança de D. João para o Rio de Janeiro, em 1808, tal como a liberdade de comércio. E, por esse motivo, vários deputados brasileiros se retiraram. Araújo, porém, já demonstrando seu espírito disciplinado e conservador, mesmo sob protesto ficou, assinou e jurou a constituição lá promulgada, em setembro de 1822.

Mas, enquanto isso acontecia, em Portugal, o Brasil se declarava independente.

DEPUTADO NO RIO

Quando Araújo voltou, em 1823, foi eleito deputado por Pernambuco à Assembleia Nacional Constituinte, reunida naquele ano, no Rio de Janeiro. D. Pedro I, contudo, logo fechou aquele congresso, à força. E enquanto perseguia seus adversários políticos, convidou o serinhaense a fazer parte do seu ministério.

Araújo chegou a aceitar, mas nem esquentou a cadeira. Três dias depois pediu demissão, alegando ser muito jovem e inexperiente para o cargo, e partiu novamente para a Europa. Por isso, mais uma vez, não precisou apoiar nenhum partido quando os pernambucanos se levantaram contra o autoritarismo imperial e proclamaram uma república, em 1824, na Confederação do Equador.

De volta à sua terra, Araújo Lima dirigiu o curso de Direito de Olinda, um dos dois primeiros do Brasil, criado juntamente com o de São Paulo, em 1827. Mas logo foi novamente eleito deputado, e nos dez anos seguintes presidiu por quatro vezes a Assembleia Nacional, além de comandar os ministérios do Exterior e da Justiça, até se tornar senador, em 1837.
CHEFE DE GOVERNO

Ainda naquele ano, Araújo ajudou a criar o Partido Conservador, a primeira agremiação política de âmbito nacional. E com a renúncia do Padre Feijó, em setembro, ele assumiu o cargo político mais importante do País — após uma acirrada disputa com o liberal Antônio de Holanda Cavalcanti, também pernambucano, foi eleito regente, passando a governar o País em nome de D. Pedro II, então com 12 anos de idade.

Naqueles tempos turbulentos, o desemprego, os latifúndios e o excessivo poder dos grandes proprietários provocavam inúmeros levantes, como a “Farroupilha”, no Rio Grande do Sul, a “Sabinada”, na Bahia, e a “Cabanagem”, no Pará. Pois Araújo enfrentou esse problema com mais repressão e o fortalecimento do governo central. No “regresso conservador”, capitaneado por ele, até os vice-presidentes das províncias, entre outros funcionários públicos, voltaram a ser nomeados diretamente pelo Rio de Janeiro.

Cinco vezes presidente, por três partidos

Como resposta, o Partido Liberal, criado para fazer frente ao Conservador, promoveu o “Golpe da Maioridade”, e o jovem D. Pedro II assumiu o trono aos 15 anos, em 1840. O que, na prática, não melhorou a situação do povo, já que os dois partidos eram controlados pelos produtores de café e açúcar. Um exemplo disso é o fato de, na coroação do jovem imperador, em 1841, Araújo Lima, recém-apeado do governo, receber o título de Visconde de Olinda. E, em 1842, ser nomeado conselheiro do Estado.

Em 1848, com a vitória dos conservadores nas eleições nacionais, ele assumiu a presidência do Conselho de Ministros e governou novamente o País até o ano seguinte. Foi aí que escolheu o deputado paraense Herculano Pena para presidir Pernambuco, uma nomeação que se tornou o estopim da Revolução Praieira.

Em 1854, Araújo Lima foi elevado de visconde a marquês, e de 1857 a 1858 comandou novamente o Brasil, como primeiro-ministro. Em 1862, contudo, algo inédito aconteceu. Devido às disputas internas em seu partido, ele, o mais conservador dos conservadores, transferiu-se para a Liga Progressista, pela qual ocupou novamente a presidência do ministério, até 1864. Depois, mudou outra vez de endereço político. Foi para o Partido Liberal e governou a Nação, pela quinta e última vez, em 1865.

Foi então que José de Alencar lhe enviou a tal carta, acusando-o de, por despeito, ter-se dedicado a destruir o Partido Conservador, que ajudara a fundar, assim causando instabilidade ao País. Para se redimir, o Marquês deveria deixar de lado seus ressentimentos pessoais e trabalhar pela volta dos seus antigos confrades ao poder. Mas o pernambucano não lhe deu muita bola, haja vista que os liberais continuaram mandando no Brasil até 1868.

Pedro de Araújo Lima morreu em 1870, no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida. Lá, tornou-se nome de rua, no bairro do Botafogo, e aqui foi homenageado com uma importante avenida no bairro do Recife Antigo. Na próxima semana, os abolicionistas José Mariano e dona Olegarina.

Artista oculto, escravista assumido

Se não fosse político, o Marquês teria sido paisagista. É dele o projeto dos Jardins da Independência, no Rio de Janeiro, com bromélias e palmeiras imperiais. Outra obra sua foi um orquidário no palacete da Condessa de Behring, assim qualificado pela proprietária: “A magnitude e exuberância deste trabalho são indescritíveis.” Já para as questões sociais a sensibilidade dele era menor. Em sua opinião, por exemplo, o movimento abolicionista era “uma atitude de cinismo político sem razões imediatas”.

Educação, mas com disciplina

Embora hiper conservador, Araújo Lima era partidário da educação para todos. Em 1821, por exemplo, ele propôs às Cortes de Lisboa a criação de uma biblioteca pública no Recife e de escolas de primeiras letras em todas as paróquias do Reino. Mas queria educação com muita disciplina. Já no ensino primário deveriam ser incluídas noções de Direito Constitucional, estando os professores obrigados por lei “a doutrinar o povo, a bem da paz e do espírito de regeneração social”. E quando foi regente do Império, entre 1837 e 1840, após a renúncia do Padre Feijó, criou no Rio de Janeiro o Imperial Colégio Pedro II, o Arquivo Público e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual foi sócio-fundador.

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