Em Pernambuco, ideias engenhosas e mãos hábeis criam peças utilitárias e decorativas que proporcionam o sustento de famílias inteiras. Quem consegue a proeza são os trabalhadores que lidam com o artesanato e a arte popular, cujo talento chama a atenção de amantes da arte, arquitetos, colecionadores e compradores do Brasil e exterior. De hoje até o dia 14 de julho, o Viver publica diariamente a série Mãos à arte, voltada ao artesanato e à arte popular.
A importância artística e comercial do artesanato e da arte popular para o estado serão mostradas por meio do trabalho de mestres em vários materiais: tecido, barro, couro, metal, madeira, fibras vegetais, brinquedos populares e materiais reciclados. A valorização do trabalho dessas pessoas – que pode ser conferido in loco na 17ª edição da Fenearte, até 17 de julho – não apenas traz mais autonomia a indivíduos, famílias e comunidades, como gera emprego e renda.
Atualmente, a arte popular e o artesanato são vistos como economicamente estratégicos por terem o potencial de movimentar milhões. Em 2015, o Centro de Artesanato de Pernambuco, no Recife, o Centro de Artesanato de Pernambuco, em Bezerros, no Agreste, e a Unidade Móvel de Artesanato, administrados pela Agência de Desenvolvimento de Pernambuco (AD Diper) movimentaram R$ 2,7 milhões em vendas. As rodadas de negócios entre lojistas e artesãos promovidas pelo Sebrae na Fenearte 2015 renderam R$ 5,13 milhões.
O reconhecimento do artesanato brasileiro, no qual o Mestre Vitalino, de Caruaru, foi um dos pioneiros, também ajudou os artesãos a conseguirem atenção de mercados antes impenetráveis. “Meus colegas tinham um olho meio enviesado para a arte popular e o artesanato. Achavam que era para a casa de campo, de praia, mas isso mudou muito. Nos anos 1970, houve, no Recife, uma loja muito importante chamada Nega Fulô, aberta por Silvia Coimbra. A época foi um grande boom do segmento no Brasil inteiro”, relembra o arquiteto Carlos Augusto Lira, ele mesmo um colecionador renomado de arte popular. Só de peças nordestinas, foram catalogadas mais de 2,8 mil obras em seu poder.
Hoje em dia, são os próprios artesãos que procuram instituições, governamentais ou da sociedade civil, com o intuito de fazer as peças chegarem ao consumidor final. O governo estadual investe em estratégias de comercialização do artesanato por meio do Programa do Artesanato de Pernambuco, aos quais são ligados a Fenearte e os Centros de Artesanato. O Sebrae, por sua vez, apoia os artesãos na área de gestão, desde a avaliação do trabalho e da consultoria desses profissionais até a chegada às feiras e ao mercado.
De acordo com Fátima Gomes, analista do Sebrae Pernambuco, a necessidade de profissionalização levou os artesãos e artistas populares a se tornarem mais senhores de seu ofício. “Houve um crescimento surpreendente. Quando comecei a trabalhar com artesanato, eles chegavam de cabeça baixa e nem sabiam o que queriam. Hoje, há uma discussão produtiva. Os consumidores dizem que os profissionais precisam melhorar o produto e eles percebem isso. Muitos começam a desenvolver o produto copiando, mas procuram orientação para adquirir identidade própria. Com apoio, todos podem ir mais longe”.
Um exemplo de conquista de autonomia dos artesãos está na atuação do Laboratório O Imaginário, do Departamento de Design da UFPE. Os oito integrantes, entre professores, alunos e ex-alunos, desenvolvem atividades no Cabo de Santo Agostinho, com barro, e em Goiana, com fibras de cana brava. “O trabalho da universidade foi juntar teoria e prática para mudar uma situação real. Trabalhamos com cinco eixos: comunicação, gestão, produção, mercado e design”, diz uma das coordenadoras do laboratório e professora da UFPE, Ana Maria Queiroz de Andrade.
Segundo a acadêmica, no Cabo, havia argila de boa qualidade, mas os artesãos não tinham como produzir da melhor forma. “Há dez anos, quando começamos, eles faziam filtros, com valor agregado baixíssimo. Realizamos pesquisa sobre matérias-primas, queima do barro e ajudamos com pesquisas de mercado. Hoje, esses trabalhadores sabem calcular preço e posicionar os produtos junto aos vendedores. Já em Goiana, havia apenas dois artesãos que sabiam trabalhar com a cana para fazer cestos. Os mestres começaram a ensinar o ofício, e o trabalho de design agregou materiais como tecidos estampados e fibra de coco. O aprendizado também é nosso e gera artigos acadêmicos, teses e dissertações”.
Carteira do artesão
A profissão de artesão foi reconhecida pela Lei 13.180/15, sancionada no ano passado, e uma das ferramentas para tirar o artesão da informalidade é a concessão da Carteira do Artesão, válida em todo o Brasil. Para obtê-la, é preciso levar carteira de identidade, CPF, comprovante de residência e uma fotografia para locais como o Centro de Artesanato de Pernambuco. Há também uma avaliação das habilidades técnicas do artesão e, além disso, o profissional precisa levar, no mínimo, três peças prontas de cada técnica. Os portadores passam a ter isenção do ICMS na emissão de notas fiscais, se habilitam para participar de feiras e têm mais facilidade para conseguir empréstimos e capacitações.
Centros de artesanato
O Centro de Artesanato de Pernambuco, no Recife, instalado no Armazém 11, ao lado do Marco Zero, foi inaugurado em 2012 e traz uma amostra da habilidade dos artesãos de todo o estado. Tem uma área construída de 2.511 metros quadrados e, desde então, já teve mais de cem mil peças comercializadas. Já a unidade Bezerros do Centro de Artesanato de Pernambuco está localizada às margens da BR-232 e também conserva um museu com uma amostra da produção artesanal local. Entre outros pontos tradicionais para encontrar artesanato, está o Sítio Histórico de Olinda, o Mercado de São José, a Casa da Cultura e a Feirinha da Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife.