Trabalhar em jornal significa estar a postos de domingo a domingo. Entre plantões, coberturas especiais e emergências, a notícia vai se sobrepondo muitas vezes à vida pessoal. Faz parte da profissão. Mas pelo menos uma vez os funcionários jogaram tudo pro alto e foram pra gandaia. O leitor que esperasse a ressaca passar. Foi em 1888, dia 13 de maio, um domingo. A principal notícia daquele ano era tão aguardada que gráficos e jornalistas do Diario resolveram comemorar com o povo, sacrificando a edição dos dias seguintes. “Em virtude das festas da liberdade das quaes não nos era licito privar os operarios de nossos officios e a pedido destes, deixamos de dar jornal ante-hontem e hontem. Os nossos assignantes nos desculparão certamente em face da justa causa, que privou os do jornal nestes dias. Em compensação receberão hoje além do n. 111 do Diario de Pernambuco, um numero extra em edição especial, consagrada ao conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira”. Em 17 de maio de 1888, a mensagem aos leitores deixava claro o motivo pelo qual o Diario deixou de circular nos dois dias anteriores.

A assinatura, pela princesa Isabel, da Lei nº 3.353, sacramentando o fim do trabalho escravo no Brasil, provocou uma comoção nacional só igualada sete décadas depois, quando uma Copa do Mundo de futebol foi vencida graças à habilidade, principalmente, de jogadores negros. A Lei Áurea, como ficou conhecida, só possuía dois artigos: declarava extinta desde a data de 13 de maio de 1888 a escravidão no Brasil e revogava todas as disposições em contrário. O texto foi reproduzido, em letras grandes, na contracapa do caderno especial que acompanhou a edição do Diario do dia 17 de maio. Pode ser considerado um dos primeiros pôsteres publicados pelo jornal.

Nas três primeiras páginas do caderno especial, uma retrospectiva de todo o material coletado pela redação do Diario referente à Lei Áurea. Os leitores tiveram acesso aos telegramas enviados pela agência Americana, mostrando as primeiras reações no Rio de Janeiro e nas demais províncias com o ato da princesa Isabel, que governava o país pelo fato do pai, Dom Pedro II, encontrar-se doente. A ela coube o título de “A Redentora” e a devoção da maioria dos 740 mil escravos que ainda existiam naquela época.

“À tarde começaram a chegar a esta cidade telegrammas noticiando que fôra o projecto de abolição approvado em ultima discussão no Senado, e que seria, naquelle mesmo dia, sancionado por S.A.I. a Princeza Regente, o que se realisou pouco depois. Fomos os primeiros, graças à actividade do nosso zeloso correspondente da corte, a receber os telegrammas, que immediatamente imprimimos em avulso e distribuimos, á fim de satisfazer a crescente anciedade publica. O ultimo, especialmente, declarando que estava sancionada a lei aurea, o que alguns esperava succedesse no dia seguinte somente, causou indescriptivel enthusiasmo”.

Transmitida por telefone para diversos lugares do Recife, a notícia fez com que seis mil pessoas que se aglomeravam na Rua do Imperador soltassem fogos e gritassem vivas à princesa Isabel e ao conselheiro João Alfredo, o pernambucano que presidiu o gabinete governamental do Império nos dias em que a Lei 3.353 estava sendo debatida pelos parlamentares.

Do domingo, as festas pela abolição continuaram na segunda e terça-feira. O comércio do Recife fechou as portas nestes dois dias. No dia 15, o presidente da província enviou um telegrama à Corte para comunicar que houve desfiles na frente do Palácio do Campo das Princesas.  As entidades abolicionistas já haviam feito a sua parte, saindo às ruas do Recife no dia 9 de maio, para celebrar a aprovação, após a nona votação, da lei que declarava extinto o trabalho servil no Brasil. Para celebrar a vitória, não esperaram a assinatura da princesa Isabel.
De acordo com registro do Diario de 12 de maio, a manifestação foi organizada pelas sociedades Club Abolicionista, Commisão Central Emancipadora, Nova Emancipadora, Ave Libertas, União Liberal Abolicionista, União Abolicionista Commercial e Club do Cupim. Três bandas militares animaram um público de três mil pessoas.

“Por muitos dias a população recifense vibrou pelas ruas, em meetings improvisados, em associações muitas delas fundadas na ocasião com o objetivo de promover a integração dos negros livres na sociedade reformulada e aberta que se lhes oferecia agora. A direção do Diario, mandando fechar as portas do jornal naqueles dias, parecia fazer renascer o fastígio dos dias de integral comunhão com toda gente”, assinala Arnoldo Jambo, no seu livro História e Jornal de Quinze Décadas.

Na mesma edição do dia 12 de maio, no seu caderno tradicional, o Diario já registrava a transição da sociedade brasileira nos novos tempos sem trabalho servil, pelo menos oficialmente. Nos anúncios, a oferta de escravos foi substituída pelos avisos de contratação de amas, o protótipo de uma nova profissão: a empregada doméstica. Onze pessoas procuaravam por uma ama, de preferência que dormisse no emprego.