Foto: Ed Alves/CB

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Por Tainá Andrade/Correio Braziliense

O Congresso Nacional viveu uma semana intensa de negociações em torno da PEC das Bondades. Apesar das articulações, a falta de quórum para votação, na quinta-feira, impossibilitou que a pauta fosse apreciada em Plenário. Com isso, os primeiros dias da semana que se inicia estão sendo dedicados a conversas e barganhas para assegurar a aprovação da proposta que pode melhorar os índices do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto para as eleições.

A expectativa é que, ainda hoje, ocorra uma reunião de líderes partidários para alinhamento da votação. Assim, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), espera assegurar que, desta vez, não faltará quórum para a aprovação da matéria nem riscos de a oposição promover mudanças no texto da proposta, como a retirada do estado de emergência — o que faria com que a matéria retornasse ao Plenário do Senado, impossibilitando a sanção da PEC antes do início da campanha eleitoral, em agosto.

Conforme o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Lincoln Portela (PL-MG), há um pré-acordo entre parlamentares da oposição e da base.

“Alguns ajustes acabam acontecendo no caminho e, na realidade, há um pré-acordo. A oposição vai fazer oposição, mas não vai votar contra uma pauta dessas”, disse ele. Às alegações de que não houve espaço para debates, Portela responde que são “apenas discursos”.

Para o pré-acordo, interlocutores do governo afirmam que Lira alinhará com os parlamentares para garantir um “quórum confortável”. Para isso, até amanhã, o presidente da Casa tem a autorização para “resolver na caneta”, ou seja, distribuir as emendas parlamentares para atender “aos deputados desassistidos”. A reportagem questionou quem seriam esses parlamentares, e a informação e que o foco está, principalmente, no MDB e no União Brasil.

Já os partidos da oposição têm como uma das estratégias prolongar a discussão da PEC em Plenário com a tentativa de aprovar os destaques. Até o momento, o líder da minoria, Alencar Santana (PT-SP), informou que tem 91 assinaturas.

“Vamos conversar com mais deputados, tentar convencer. Vamos batalhar para que sejam aprovados [os destaques]”, disse. De acordo com Santana, não há um foco específico para essas conversas.

A presidente da comissão especial que discutiu o texto da proposta, deputada Celina Leão (PP-DF), diz que, na verdade, houve espaço para a oposição estabelecer seus pontos de vista, mas não houve recolhimento de assinaturas suficientes para as emendas.

“Eles não têm assinaturas necessárias para protocolar emendas, que são 171. Os seis destaques feitos na comissão foram rejeitados, mas, agora, podem ser destacados novamente no Plenário, o que certamente irão fazer”, projetou.

Uma segunda tática será a insistência no pedido para que o governo apresente informações a respeito do pagamento, de acordo com a emenda à Constituição que prevê as normas fiscais para os precatórios e o pagamento de programas sociais.

“Insistiremos para que o governo ofereça as informações constitucionais exigidas pelo artigo 114, do ADCT, e demonstre se há, de fato, os recursos necessários ao programa [Auxílio Brasil]”, explicou Alencar.

Poder da maioria

Para o vice-líder do PSDB, Samuel Moreira (SP), o que se estabeleceu na Câmara foi uma maioria conquistada por Lira, ainda que por meios controversos.

“Existe uma questão dura de se negar, o governo está atropelando, mas, de uma forma ou de outra, o presidente constituiu uma maioria e está implementando uma pauta”, reconheceu. Cientistas políticos concordam que a forma de negociação para a qual o Congresso Nacional tem caminhado abre brechas para o autoritarismo, principalmente na Câmara dos Deputados.

“A forma de governar, no sentido de construir governabilidade, no presidencialismo de coalizão de Jair Bolsonaro, é diferente da que os outros presidentes faziam. Formar a construção de um governo é montar uma rede de apoio, sobretudo partidária, para que haja alguma previsibilidade na aprovação das agendas do governo no Congresso Nacional.

O presidente foi pouco proativo nesse sentido, em não buscar aprovar determinadas agendas por ter pouco apetite de política pública”, explicou Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

De acordo com a especialista, Bolsonaro teve que buscar uma maneira de sustentar o apoio, e isso foi conseguido na aproximação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com a instrumentalização das emendas de relator (RP9).

“A partir do ano passado, começou a se pensar outra forma para conseguir aprovações específicas que interessavam ao governo, e não foi feito por meio dos partidos ou por meio de grupos mais amplos, mas de parlamentar em parlamentar. De fato, para conseguir esse apoio, a forma foi uma presidência, a da Câmara, que é fiel e muito ligada a ele. Claro que isso foi feito por meio de um instrumento, as emendas de relator, que é a grande novidade”, disse Testa.

Toma lá dá cá

Líderes da oposição alegam que é difícil enfrentar esse debate com a operacionalização que o governo tem orquestrado. “Nosso debate tem sido franco, aberto e procurado convencer, mas sabemos das dificuldades porque o governo tem maioria e opera com orçamento secreto para garantir a governabilidade do Bolsonaro. É um escândalo que está destruindo a democracia e potencializando a política do toma lá dá cá. É a mamata do mesmo jeito de sempre, que cria um ambiente ruim, intoxicado e bloqueado para qualquer tipo de tratativa de negociação, de construção de entendimento, porque sempre é a força a truculência que estão dominando”, opinou o líder do PSB na Câmara, Bira do Pindaré (MA).

Moreira avalia que a oposição não tem constituído uma frente de impedimento forte. “O PT erra, não contribui para formar uma oposição mais forte, criou um ambiente de ‘é isso aqui’ [nas votações] porque, no fundo, todo mundo vai votar a favor. O PT está obstruindo, mas, na hora de votar, vai a favor. Não tem como questionar um processo do qual podem discordar, mas que é de maioria e com questões delicadas, extremamente relevantes”, prosseguiu o líder.

O debate tem sido podado em prol da aceleração das conquistas governamentais, que precisa mostrar resultado em uma eleição polarizada. Porém, especialistas não acreditam que essa forma de negociação será consolidada na política brasileira. A fase é transitória e se justifica pelo pouco traquejo de Jair Bolsonaro (PL) para a política pública.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer acredita que a oposição ainda tem mecanismos para tentar conter esse cenário, mas, no momento, o empoderamento do presidente da Casa prepondera.

“Isso faz parte do jogo dos Três Poderes, que, no momento, está desequilibrado. A Casa Civil está fraca e com poucas condições de negociação por causa do enfraquecimento do presidente, então, a personalidade de Lira cooptou essa tomada de frente, ele é uma liderança forte. O ano eleitoral também faz algumas forças se comportarem de forma diferente. Com o estabelecimento de um possível novo governo haverá trocas, e as coisas voltam para a normalidade”, ponderou.

Uma proposta demora, em média, 1.700 dias para concluir a tramitação no parlamento brasileiro — algo em torno de 4 anos e meio. No entanto, a PEC das Bondades, encabeçada pelo Executivo, já está próxima do fim do processo no Congresso Nacional em apenas 156 dias.

Linha do tempo

04/02/2022: A proposta da PEC 1/2022 (chamada de PEC Kamikaze) foi protocolada no Senado Federal.

09/06/2022: O relator da PEC 16, que fornecia compensações aos estados mediante a redução da alíquota do ICMS, Fernando Bezerra (MDB-PE) anuncia que irá tramitar o substitutivo à PEC, sendo então a PEC Kamikaze revivida, e protocolada junto, no Senado, a PEC 15/2022, conhecida como PEC dos Biocombustíveis.

17/06/2022: A PEC dos Biocombustíveis chega à Câmara dos Deputados.

30/06/2022: A proposta da PEC Kamikaze é aprovada no plenário do Senado, sob relatoria do senador Fernando Bezerra.

01/07/2022: A PEC Kamikaze é encaminhada à Câmara dos Deputados para apreciação, onde é apensada à PEC dos Biocombustíveis, o que acelerou a sua tramitação.

05/07/2022: O relator da proposta na Câmara, Danilo Forte (União-CE) leu o relatório na Comissão Especial.

07/07/2022: Comissão especial aprova o texto. As PECs apensadas vão a plenário. A votação é adiada por falta de quórum.

PLACAR DA PEC

Na última votação, na Comissão Especial, na quinta-feira (07), a PEC teve uma maioria significativa a favor. A base governista se uniu, mas a oposição rachou. Para terça-feira, novas negociações podem mudar o cenário para os dois lados. O Correio retomou o placar da última discussão:

A favor

PP
PL
Republicanos
PDT
MDB
União Brasil
PSDB
PSD
PSC
Podemos
Avante
Patriota
PROS
Cidadania
PTB

Contra

Novo
PT
PSB
PCdoB
Rede
PSol
Solidariedade
Rede
PV

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