Em 2002, poucos dias depois de terminar o curso de jornalismo, estava sentado em uma das poltronas rasgadas e empoeiradas de um ônibus Volvo 1976 – cujo motor parecia não ultrapassar os 80 km/h – numa lenta e desgastante viagem de volta, atravessando a estrada, o Sertão e a madrugada entre Itacuruba e Recife. Eram as últimas das 44 horas da minha primeira reportagem assinada como profissional – que completa exatamente 10 anos nesta segunda-feira. No caderno, páginas e páginas com anotações, entrevistas, impressões, frases soltas. Estava ali uma história para contar. A primeira.
Dentro do ônibus, nas outras poltronas, os poucos ainda acordados eram jogadores do Íbis bêbados, frustrados e sem saber se haviam escolhido o caminho certo. Horas antes haviam perdido a semifinal da segunda divisão do Pernambucano. Mais do que isso. Haviam perdido a chance de subir para a elite do futebol estadual no ano seguinte. Inevitavelmente, também haviam perdido os seus empregos.
Em dez anos de carreira profissional – pelo menos quatro como repórter esportivo – nunca mais encontrei nenhum daqueles personagens. O futebol dos invisíveis é uma das profissões mais ingratas que alguém pode ter. Esta reportagem mostra um pouco disso.
Não sei se, no veloz 2012, alguém ainda tem paciência para ler matérias e vinculadas longas de uma época onde sobravam páginas nos jornais. Ir além dos 140 caracteres, do factual, da notícia e da velocidade da informação…será como fazer uma longa viagem no tempo dentro do velho Volvo 1976.
A SAGA DE UM PERDEDOR
“Esta história de mais uma entre tantas derrotas do folclórico clube pernambucano não será resumida em noventa minutos de futebol e muito menos ridicularizada como de costume. Desta vez, o DIARIO acompanhou todos os momentos que antecederam e sucederam à decisão da segunda divisão do Campeonato Pernambucano ao lado da delegação do Íbis. Foram 44 horas ao lado dos jogadores, percorrendo mais de mil quilômetros de estrada, numa verdadeira viagem à realidade do futebol brasileiro. Afinal, deixando o folclore de lado, o Íbis é apenas mais um entre milhares de clubes pobres, cuja camisa veste a esperança de homens humildes, sacrificados e sonhadores. Brasileiros que por ilusão, ou mesmo por falta de outra opção, escolheram o futebol para tentar mudar de vida, mas por enquanto foram derrotados por ele”
Texto completo:
http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_0.html
A VIAGEM
“O veículo era um Volvo 1986, que segundo o motorista Marcos, “ainda é uma moça”. Assim, a moça de Marcos deixou o Alto da Vila da Fábrica, em Camaragibe – atual sede do clube – levando 33 passageiros. Além dos 18 jogadores, dos cinco integrantes da comissão técnica e da nossa equipe de reportagem, havia ainda o chefe da delegação e a sua esposa, dois garotos amigos do grupo, dois estudantes que aproveitaram a carona para ir até Belém de São Francisco e o delegado do jogo da Federação Pernambucana, Arnaldo, que também pegou uma carona com o Pássaro Preto.Antes de deixar o Recife, todos pararam para almoçar e em menos de uma hora devoraram nove galetos completos e 18 litros de refrigerante”
Texto completo:http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_1.html
OS JOGADORES
…Marcone tem o perfil da imensa maioria dos jogadores de futebol brasileiros. Por trás do estilo boleiro – da forma de falar, do jeito de se vestir e de andar copiados dos craques milionários e consagrados – está um garoto de 21 anos, pobre, que cresceu longe das salas de aula no bairro de Caetés 1, em Paulista, e que via o futebol como um conto de fadas, que lhe traria fortuna, fama e felicidade. Porém, o pouco do que conheceu no futebol, deixou-o descrente, quase sem esperanças. “Somos só um produto e nem temos uma vitrine para sermos mostrados. É como em um supermercado, somos aqueles produtos que ficam na prateleira debaixo, que ninguém vê, e ali ficamos esquecidos”
Texto completo:http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_2.html
O CARONA
…Era chegada a hora. Às 13h30, o ônibus deixa Floresta em direção a Itacuruba, numa viagem curta de 32 km. Logo na saída, uma parada no posto de gasolina para comprar gelo. No posto, o plantador de cebolas João Batista pede uma carona até o campo e, mesmo declarando que iria torcer para o Itacuruba, é aceito no ônibus e viaja sentado ao lado do capitão do time, Zé Carlos. A cena é inusitada para um time de futebol profissional: os jogadores em silêncio, concentrados, olhando os pássaros pretos sobrevoarem a estrada como se estivessem saudando o irmão mais famoso, e João falando o tempo todo, da plantação de cebolas, do dia em que tomou banho de mar em Boa Viagem…
Texto completo:http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_3.html
A DERROTA
…O futebol mais uma vez derrotava os sonhos de 18 jogadores. Sentados na grama, eles assistiam à festa dos adversários e a queima dos fogos de artifícios, enquanto o presidente do clube tentava levantar o moral de cada um, garantindo que o trabalho seria mantido e que contava com todos para o futuro do Íbis. Mas não era esse o futuro que eles queriam.
Texto completo:http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_4.html
A DESPEDIDA
Às seis da manhã, o ônibus já estava no Recife e a maioria dos jogadores preferiu descer na avenida Caxangá, onde era mais fácil para voltarem às suas casas. Despediram-se rapidamente, juntaram os trocados para a passagem, colocaram a pequena bagagem embaixo do braço e desceram na parada de ônibus. Dali pra frente, cada um seguiria seu caminho, junto com outros trabalhadores comuns que estavam começando mais um dia de trabalho. Mas, aqueles 18 jogadores do Íbis que durante sete meses se sacrificaram para tentar realizar o mesmo sonho, chegavam ao final de uma longa jornada de trabalho, numa história verdadeira, daquelas que nem sempre acabam com final feliz.
Texto completo:http://www.pernambuco.com/diario/2002/07/14/esportes4_5.html