Por Glauce Gouveia*
A vida ensina. E nela aprendi que fonte e informação não se rouba e não se ganha. Se conquista. Uma das conquistas mais marcantes dos meus 24 anos de jornalismo tem nome, sobrenome e história: Pelópidas Silveira, prefeito do Recife por seis anos e dois meses nas décadas de 40, 50 e 60.
Tudo começou num plantão. Mais que isso: em um plantão de sábado, daqueles em que você apenas consta como figurante de redação até que algum fato realmente novo force a mudança do jornal de domingo previamente editado na sexta-feira à noite.
Nenhuma pauta interessante se apresentava. O que tinha na agenda era uma reunião “pequena e fechada” de petistas para discutir detalhes da campanha à reeleição do então prefeito João Paulo (2004). Inquieta, como de praxe, não aguentei ficar esperando notícia surgir do nada. Fui cascavilhar a tal reunião.
Minha surpresa não poderia ser maior. Entre os presentes estavam, além dos petistas de sempre, o ex-governador Miguel Arraes, então presidente do PSB nacional, e Pelópidas, que até aquele momento não haviam se pronunciado a respeito de apoio à reeleição do prefeito. De jornalista, só eu. Fiquei quieta, atenta e ouvinte.
Encerradas as discussões, corri para aquele que poderia ser o diferencial de minha matéria e o motivo da mudança do jornal do domingo. “Doutor Pelópidas, sou Glauce, jornalista. Poderia dar uma palavrinha com o senhor?”, perguntei, ignorando completamente a fama de sisudo e antipático que o ex-prefeito tinha na minha categoria. “Não falo com jornalistas”, respondeu o socialista, sem meias palavras. “Tudo bem. Vou respeitar o senhor”, respondi, dando meia volta, completamente desanimada diante daquele senhor que já estava nos livros de História e não queria falar.
Mal me virei, e Pelópidas segurou meu braço, evitando minha partida. “Já que é assim, então vou falar pra você. Anote aí: pra mim, essa campanha já é vitoriosa”, disse, sorrindo. Feliz como se fosse repórter principiante conseguindo seu primeiro furo, eu perguntei: “O senhor sabia que com isso eu escrevo 30 linhas?”. Resultado: risos e a certeza de que aquele contato, que não me rendeu grandes furos jornalísticos no futuro, fez começar uma nova relação profissional ética, proveitosa e agradável.
No mesmo ano, após a reeleição de João Paulo, eu cobria ao lado de outros jornalistas a “carreata da vitória” e, de cima do carro da imprensa, ouvi um homem que eu não conhecia me chamar. Me pediu para segui-lo. Sem saber aonde estava indo, eu caminhei uns 600 metros até um jipe mais afastado. Nele estava sentado um senhor risonho e simpático que me disse: “Pedi pra verificarem se você estava por aí. Queria lhe dizer mais uma coisa pra você escrever mais trinta linhas: eu estou nesta”.
Quatro anos depois de contatos raríssimos, Pelópidas se foi. Faleceu em 8 de setembro de 2008, deixando em mim a certeza de que não há pessoas inatingíveis. Mas fontes eticamente e gratificantemente conquistáveis.
*Repórter de Política
Paulo Goethe, lendo essa história da Glauce, eu lembrei de uma legal que aconteceu comigo. Não lembro ano, mas os fatos dirão — mas deve ter sido em 1989
Era um domingo e eu estava de plantão no Diario de Pernambuco. O então presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, ia para a Europa e seu avião precisava fazer uma escala técnica no Recife. Vários repórteres foram para o aeroporto esperá-lo (ele desceu para jantar com Miguel Arraes). Na hora da entrevista, minha caneta Bic falhou – caso raro, aliás. Ele, gentilmente, me emprestou a dele, uma superchique (pelo menos, para mim, na época). Ao final, em vez de devolvê-la, eu a pus no bolso. E Alfonsín, que eu admirava à época por sofrer um duro combate dos militares que o antecederam, disse-me: “Jovem, esquecestes algo?”… Fiquei para lá de envergonhado. Desde então, jamais — sim, jamais mesmo — saio para trabalhar com apenas uma caneta.
Abraços
Renato Ferraz
Morrendo de rir, Renato, porque isso é algo típico de mim. Diria que você “glauciou” ao ficar com a caneta. kkkkkk
Que linda! Concordo com você, Glauce, tem gente que não sabe fazer fontes. Eu já consegui fazer muitas, alguns acabam até virando amigos. Essa relação de respeito mútuo, quando existe, é show de bola. Um beijo 🙂
É a alma do negócio. Ou melhor, da função de repórter!
Adoro ler essas “sessões nostálgicas” de vocês. De verdade, engrandece a iniciante aqui.
adorei! estimulante, glauce! 🙂 numa pesquisa p nossas matérias, achei este seu depoimento incrível.