Por Ed Wanderley*

A ideia era tentar ir além. Do papel e do conteúdo extra como nos acostumamos a conceber. A pauta surgiu de uma conversa com a designer do Pernambuco.com, Taís Nascimento, que me falou sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. O marco, quase desconhecido, não ganha mídia ou comércio.

Poucos sequer sabem que ele existe. Queria fazer minha parte para que isso mudasse. Lembro de uma conversa que tive com uma amiga, também jornalista, que dizia “Negra é para ser gostosa. É para passar uma temporada, não é para casar”, falou, lágrimas aos olhos, sobre o preconceito silencioso que sofria todos os dias, mesmo quando os olhares era cobiçosos.

A partir daí, o trabalho foi inicialmente de arquitetura da informação. Teríamos quatro dias para conceber o material e ele não poderia ser comum em sua totalidade. Combinamos uma força-tarefa: design, edição de vídeo, edição de textos, fotografia.

Tudo para que, em dois dias, o material pudesse ser refinado e apresentado ao público. Era uma quarta-feira. Eu teria dois dias de produção, um final de semana, dessa vez ingrato, e na segunda, tudo teria que estar adiantado para ser finalizado no dia seguinte.

Para ir além do próprio tema, buscamos os tipos de preconceito “somados”, que a ONU indica como mais nocivos porque causam dano mais significativo por atacar de todos os lados: gênero, orientação sexual, religião, condição física. Tudo somado à cor negra, ainda longe da lógica de inclusão em nossa sociedade.

O passo seguinte então foi de como conceber o material. Queria que os rostos das personagens, como os preconceitos, fossem somados, de forma a construir uma única pessoa. Uma montagem inicialmente concebida mais tarde por Greg, usando cortes verticais. A ideia era mostrar um mesmo problema que atinge diferentes pessoas mesmo que por motivos distintos. O resultado você confere nesta imagem:

Para as fotos, Inês Campelo e Heitor Cunha fizeram um esforço para encaixar fotógrafos entre as demais pautas programas para os dias. Ela ainda fez uma busca em nossos arquivos para conceber o que seria uma galeria da memória negra, que serviria para trabalhar o material também para quem fosse de fora do estado, por meio da internet.

Para o vídeo, optei pela gravação em estúdio, sem mostrar o ambiente natural das personagens, de forma que esse conteúdo pudesse ser valorizado também pela equipe de fotografia. a ideia seria conceber um webdocumentário, montado a partir de relatos, por isso, busquei trabalhar com fundos pretos e brancos, três câmeras (sendo uma na mão) e iluminação artificial em uma sala de luz apagada. Mais trabalho para a edição de vídeo!

O desafio para minha vida de leigo foi a iluminação, até porque decidimos que faríamos o produto final todo em preto e branco. Uma espécie de ironia para o tema. Para incomodar mesmo. Gravamos inclusive com as próprias personagens apresentando o material: “Hoje o Diario de Pernambuco publica um vídeo todo em preto e branco. É um lembrete a todas as pessoas que ainda não entenderam que, independente de nossa cor, somos todas iguais”.

Além dos relatos, tivemos que fazer imagens de apoio sem com elas “desarmadas”, esperando, sem que soubessem porque. Esse material foi usado na abertura do vídeo justamente para que fosse concebida a sensação de que quem falava era seu pensamento, sua consciência.

Dessa forma, o internauta ouve o que ela diz, mas não vê seus lábios se mexendo. Apenas um dos elementos que trabalhamos no material que você confere abaixo.

Todo plano foi desenhado antes mesmo de conseguir as personagens. A correria foi grande e a imensa ajuda do caderno de telefones de Taís fez toda a diferença. Entre gravação, entrevistas e fotos foram apenas 36 horas intensas. Uma das personagens, essenciais para a questão, era de Garanhuns e não havia tempo hábil para encontrá-la.

A fotógrafa Synara K., ativista negra, se propôs a mandar as fotos e o contato foi feito por telefone. Para o vídeo, no entanto, a saída não era fácil. Até que uma das entrevistas com uma procuradora do Ministério Público, do Grupo de Trabalho de Racismo, que seria utilizado numa área de serviços para mostrar às pessoas como a lei pode ser cumprida, rendeu uma personagem.

Maria Bernadete foi a última personagem do vídeo e contribuiu imensamente para o resultado final. Sua contribuição original ao texto permaneceu, mas suas história foi contemplada no audiovisual.

Assim que a captação foi concluída, confirmamos o temor: não haveria espaço suficiente no impresso. Teríamos apenas uma página para a matéria. A versão online da reportagem, então, teria que ser concebida diferente.

Passaria a ser o material principal. Os textos inteiramente novos e a abordagem, diferente. A internet foi contemplada primeiro e, então, o texto do jornal, que deveria conter informações relevantes, apresentar as personagens, mas também servir para chamar para o conteúdo completo no site.

Todos os textos foram feitos em um turno e encaminhados à editora Lydia Barros, que tabelou com a designer Taís Nascimento para conceber o hotsite na mesma tarde. Ela, por sua vez, recebeu a contribuição da editora de imagem Roberta Cardoso, ao concluir o webdocumentário, e cabeçou para o gol, colocando o material no ar às 3h30 da manhã do dia 25 de julho.

Dia da mulher negra e de um material que renderia orgulho de toda uma equipe. Um trabalho de, quase literalmente, sangue, suor e lágrimas, exibido no dia devido para pessoas de todos os gêneros e cores.

O resultado completo você confere aqui:

* Repórter de Vida Urbana