Mais uma da seção “Capas que fizeram sucesso”. Só que essa não foi publicada pelo Diario de Pernambuco. Circulou na França em janeiro de 1898…
Em um produto tão perecível como é um jornal diario, ter uma manchete que sobreviva ao tempo e entre para a história é um prêmio perseguido por muito e alcançado por poucos. Há 115 anos, o jornal francês L´Aurore publicava uma dessas manchetes que ficam imortalizadas: J’Accuse…! (“Eu acuso…! Carta ao Presidente da República, por Émile Zola”). A edição vendeu 300 mil exemplares. Quem quiser conhecer melhor essa hiostória, o blog recomenda a leitura do artigo “A menor e mais impactante manchete de todos os tempos“, escrito por Alberto Dines no Observatório da Imprensa.
O blog também recomenda o livro J’ACCUSE…! A VERDADE EM MARCHA, de Émile Zola.
Veja aqui o prefácio do autor que ajuda a entender o que aconteceu naquele final de século 19:
“Julgo necessário recolher, neste volume, os artigos que publiquei sobre o caso Dreyfus durante um período de três anos, de dezembro de 1897 a dezembro de 1900, à medida que os acontecimentos se desenrolavam. Quando um escritor fez julgamentos e assumiu responsabilidades, seu estrito dever é apresentar aos olhos do público o conjunto do seu papel e os documentos autênticos a partir dos quais será possível julgá-lo. E, se a justiça não lhe for feita hoje, ele poderá esperar em paz, o amanhã terá todo o dossiê, que deverá ser suficiente para fazer a verdade um dia aparecer.
No entanto, não me apressei em publicar este volume. Primeiro, queria que o dossiê estivesse completo, que um período bastante claro do caso se achasse terminado; e assim tive de esperar que a lei da anistia viesse encerrar esse período, à guisa de desfecho pelo menos temporário. Depois, muito me repugnava que pudessem julgar-me ávido de uma publicidade ou de um ganho qualquer numa questão de luta social, em que o homem de letras, o profissional, fazia questão absoluta de não obter qualquer benefício. Recusei todas as ofertas, não escrevi nem romances nem dramas, e talvez não venham a me acusar de querer ganhar dinheiro com essa história tão pungente que comoveu a humanidade inteira.
Minha intenção, mais tarde, é utilizar em duas obras as notas que tomei. Gostaria de, com o título “Impressões de audiências”, contar o meu processo, narrar todas as coisas monstruosas e as estranhas figuras que desfilaram diante de mim, em Paris e em Versalhes. E gostaria de, com o título “Páginas do exílio”, contar os meus onze meses na Inglaterra, os ecos trágicos que repercutiam em mim a cada despacho desastroso vindo da França, tudo o que se evocava longe da pátria, os fatos e os personagens, na completa solidão em que me vi murado. Mas são desejos, projetos simplesmente, e é bem possível que nem as circunstâncias nem a vida me permitam realizá-los.
Aliás, não seria então uma história do caso Dreyfus, pois minha convicção é que essa história não poderia ser escrita hoje, em meio às paixões atuais, sem os documentos que ainda nos faltam. Será preciso um recuo e, sobretudo, o estudo desinteressado das peças que o imenso dossiê prepara. E gostaria unicamente de dar minha contribuição a esse dossiê, deixar meu testemunho, dizer o que soube, o que vi e ouvi, desde o ângulo do caso no qual atuei.
Assim me contento, até lá, em reunir neste volume os artigos já publicados. Naturalmente não alterei nenhuma palavra, deixando-os com suas repetições, com a forma dura e solta de páginas escritas muitas vezes às pressas. Acreditei apenas dever acompanhá-los, abaixo dos títulos, de pequenas notas em que dou algumas explicações necessárias para ligar todos esses artigos, remetendo-os às circunstâncias que me levaram a escrevê-los. Deste modo, a ordem cronológica é indicada, os artigos retomam seu lugar após os grandes abalos do caso e o conjunto deles aparece nitidamente, em sua lógica, apesar dos longos silêncios em que me encerrei.
E, repito, esses artigos não são mais que uma contribuição ao dossiê em formação do caso Dreyfus, os poucos documentos da minha ação pessoal cuja compilação fiz questão de deixar à História e à Justiça de amanhã.”
Émile Zola
Paris, 1º de fevereiro de 1901