Em Foco 2906

Na frente dos aparelhos de TV, com a mão sobre o peito e cantando o Hino Nacional a plenos pulmões, brasileiros pobres e ricos se sentem mais brasileiros e se igualam no desejo de ver a nação entre as mais respeitadas do planeta. A diferença é que, na vida real, todos precisamos de governos, não de treinadores. É o tema do Em Foco do Diario de domingo por Luce Pereira.

Bate, bate, bate, coração

Mão sobre o peito e cantando o hino a plenos pulmões, brasileiros pobres e ricos se igualam no desejo de ver
a nação entre as mais respeitadas do planeta

Não é no globo terrestre que os brasileiros reconhecem o Brasil, é numa bola. De forma inteiramente mágica, ela consegue apagar até fronteiras sociais durante os minutos em que rola em nome da pátria. Nos representa. Nos identifica como povo. E, é claro, nos aproxima. Com todas as diferenças impostas pelas desigualdades, nos aproxima. Por isso, não há como distinguir o coração que bate sob camisas surradas, na hora da execução do Hino Nacional, e aquele que pulsa sob camisas onde se nota um jacarezinho bordado ou um homem jogando polo. É para os corações, indistintamente, que a medicina emite o seguinte alerta: nos jogos da Seleção Brasileira, os riscos de infarto do miocárdio se acentuam. Mas nem a ciência consegue trocar em miúdos paixão capaz de mobilizar tanto.
Conheci, sim, um rapaz que morreu durante um jogo da Copa de 70, quando o Brasil estraçalhou adversário poderoso com dribles desconcertantes e depois, com gols que ficaram na história dos mundiais. Chamava-se Nivaldo, tinha mais de trinta anos, e eu ouvia a notícia sobre o coração fulminado do rapaz sem entender a relação entre aquele infarto e o jogo transmitido através de uma TV velha, em preto e branco. Só depois de crescer compreendi que é, sem dúvida, a maior alegria a que pode ser submetido um coração brasileiro, pulse ele onde pulsar, do Oiapoque ao Chuí.
À sua maneira, independentemente de que lugar ocupem na pirâmide social, cada um se mobiliza para a festa. Mas a emoção de ver a Copa transformar em alegria a rotina de brasileiros muito pobres é inesquecível, possivelmente porque ali está provado o que o mundo não se cansa de admirar: não há dificuldade tão grande que sufoque a esperança e a vocação para perseguir a felicidade mesmo onde ela é quase lenda.
Não por acaso, a propaganda mostra comunidade pobre, pobre, num lugar quase esquecido do interior do país, se encantando diante de um caminhão que chega trazendo a Copa para os olhos de todos. Acende-se o telão, os olhares se incendeiam com as imagens e enquanto elas duram homens, mulheres e crianças sentem que pertencem a um país. Foram lembrados, ainda que pelos interesses da indústria – neste caso, de cerveja. “Onde tem Brasil, tem que ter festa”, resume o anúncio para convencer de que Brasil e futebol são a mesma coisa, embora a realidade insista em apontar para direção bem diferente.
Apesar das circunstâncias que envolveram a realização desta Copa no país e da resistência criada em torno dela, as ruas desertas em dias de jogos da Seleção ajudaram a concluir algo bem simples: na frente dos aparelhos de TV, com a mão sobre o peito e cantando o Hino Nacional a plenos pulmões, brasileiros pobres e ricos se sentem mais brasileiros e se igualam no desejo de ver a nação entre as mais respeitadas do planeta. A diferença é que enquanto os primeiros ainda enxergam nos pés da Seleção um caminho para o futuro, os segundos sabem exatamente que não se chega ao futuro sem os gols que realmente contam. E estes não dependem de treinadores, mas de governos.
São lições para depois. Porém, quando a alegria da Copa se despedir dos estádios, ruas e casas, tudo leva a crer que os brasileiros sentirão falta. Falta da adrenalina misteriosa que uma Copa (ainda mais no quintal da gente) produz, fazendo disparar corações de Norte a Sul. Afinal, quem se importa em morrer de felicidade?
Então bate, bate, bate, coração… Que 13 de julho ainda demora.