Em Foco 0107

Há 20 anos, mais um plano econômico entrava em vigor no Brasil, prometendo matar de vez o dragão da inflação. Ao contrário dos finados Cruzado, Bresser, Verão e Collor, o Real deu certo. Em duas décadas, o país mudou, mas não podemos ficar deitados em berço esplêndido. É o tema do Em Foco do Diario desta terça-feira, escrito por Tatiana Nascimento.

20 velinhas no bolo do Real

O plano que colocou um fim à hiperinflação completa hoje duas décadas de uma trajetória às vezes tortuosa, mas ainda no caminho certo

Tatiana Nascimento

Vinte anos atrás, o Recife contava com 50 agências bancárias. Em um dia comum, aquele 1º de julho de 1994 seria assim: as pessoas iriam aos bancos para sacar seus cruzeiros reais. Depois seguiriam até o supermercado para tentar driblar o dragão da hiperinflação e as remarcações de preços. Só que aquele dia não tinha nada de comum. O povo até correu para os bancos. Mas foi trocar seus cruzeiros reais por reais. A nova moeda do novo plano que prometia acabar com a inflação e colocar a economia do país no prumo começava a valer naquela sexta-feira.
Fazia apenas dois meses que o Brasil havia perdido Ayrton Senna na curva Tamburello. Nos Estados Unidos, a Seleção de Carlos Alberto Parreira tinha se classificado em primeiro no grupo B e treinava para pegar os anfitriões em pleno Dia da Independência (deles), enquanto a Argentina vivia o choque do doping de Diego Maradona. Mas naquele dia os holofotes eram econômicos. A manchete do Diario dizia de forma direta “Brasil: agora é real”. Era real mesmo. Depois do treino com a URV, o país entrava em um novo período de expectativa.
Expectativa e novidades. Os centavos passaram a valer. Moedeiros viraram moda. O frango, quem diria, tornou-se garoto-propaganda do governo. E colocar uma dentadura era uma felicidade só. O real estava equiparado ao dólar. Viajar para o exterior e trazer importado na bagagem não era mais sonho impossível para a classe média daquela época. Durante as duas décadas de vida do Plano Real, o país viu a taxa de juros bater os 45% e cair para 7,25% (o menor nível da história). Acompanhou o surgimento do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida.
Nos últimos 20 anos, o brasileiro começou a viver uma paixão ardente com o crediário e o cartão de crédito. Comprou carro e TV nova para ver as Copas de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. O melhor foi que amordaçaram o dragão. Na véspera do lançamento da nova moeda, o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, garantiu que a inflação iria “despencar em julho.” Despencou. “Aqui jaz a moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento”, destacava o jornalista Joelmir Beting.
Na verdade, era uma moeda que tinha tido vários nomes, zeros e estampas, em um país calejado por planos que, como o Real, também tinham chegado com a promessa de acabar com a inflação. Só em 1993 foram 2.477,15%. Mas ao contrário dos finados Cruzado, Bresser, Verão e Collor, o Real deu certo. E ainda dá, mesmo com os obstáculos que apareceram pelo caminho, como as crises internacionais da Rússia, México e Ásia, a maxidesvalorização do câmbio, o medo (infundado) de que a eleição de Lula colocasse tudo a perder.
A crise de 2008 começou nos Estados Unidos e chegou como um tsunami na Europa. Claro que aqui não foi “só uma marolinha”, mas a onda não nos derrubou. Impactou no crescimento do PIB, é verdade. A inflação (muito longe de ser hiper) está aí. E hoje já não sabe mais o que é centro (4,5%) e, sem cerimônia, bate à porta do teto da meta estabelecida pelo Banco Central (6,5%). Alta, mas perfeitamente controlável. Dragão bom é dragão que domina as histórias infantis. Na realidade, melhor ficarmos com o frango no prato e nosso dinheiro no bolso.