Em Foco Barbosa

Em plena euforia da Copa do Mundo, o presidente do Supremo Tribunal Federal se retira de cena por conta própria. Neste mês de julho, o Maracanazo, a derrota para o Uruguai completa 64 anos. Em comum entre estes dois fatos um mesmo sobrenome: Barbosa. O jurista Joaquim e o goleiro Moacir representam, com suas histórias de vida, as mudanças da sociedade brasileira desde 1950. É o tema do Em Foco do Diario desta quarta-feira, escrito por Paulo Goethe.

O Brasil dos Barbosas

Um julgado e o outro julgador, goleiro da Seleção de 1950 e o agora ex-presidente do STF escreveram juntos a história do orgulho negro no país

Dois Barbosas, um Moacir, outro Joaquim. Expoentes de suas épocas, amados por muitos, odiados por outros tantos. Goleiro, Moacir foi titular da Seleção na Copa de 1950. O primeiro negro na posição num mundial de futebol, e logo na que seria realizada no Brasil. Jurista, Joaquim alcançou a presidência do Supremo Tribunal Federal em 2012, depois de ter sido o primeiro negro alçado à Corte em 2003 pelo então presidente Lula. Dois Barbosas e um país que, se mudou muito em 64 anos, continua exibindo o seu lado casa-grande e senzala nos pequenos aspectos do dia a dia.
Ontem, Joaquim Barbosa pendurou as chuteiras como magistrado aos 59 anos, apesar de ter direito de permanecer no STF até quando completasse a aposentadoria compulsória aos 70. Nem quis ficar até o final da sua presidência, cujo mandato só terminava em novembro. Estava cansado. Relator do processo do mensalão, seu nome não saiu mais da mídia. Virou celebridade ao condenar líderes históricos petistas, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do partido José Genoino.
Como figura pública, Joaquim Barbosa sentiu os afagos da maioria da opinião pública e os beliscões de quem o considerava um inquisidor político. Ficou de mal com boa parte dos seus pares, destratou jornalistas e afirmou repetidas vezes que não seria candidato a nada. Queria descansar. Ficar no anonimato por um tempo, como se isso fosse possível.
Falecido aos 79 anos em 7 de abril de 2000, Moacir Barbosa não testemunhou a ascensão de Joaquim Barbosa. Também sempre almejou o anonimato, principalmente depois que foi acusado de falhar no gol de Gigghia, que deu ao Uruguai o título da Copa do Mundo, em pleno Maracanã, no dia 16 de julho de 1950. Dos 34 minutos daquele segundo tempo até a sua morte, ele costumava dizer que foi condenado sem julgamento a uma pena que nunca prescreveu. “No Brasil, a pena máxima (de prisão) é de 30 anos, mas pago há 40 por um crime que não cometi”, disse após ser barrado na concentração da Seleção Brasileira, em 1993.
Considerado um craque debaixo da barra, apesar de medir 1,74m, estatura impensável para um arqueiro no futebol de hoje, Barbosa passou o resto dos seus dias tentando exorcizar o tal fantasma do Maracanazo. Não, ele não parou de jogar futebol. Defendeu a Seleção até 1953 e chegou a atuar em Pernambuco pelo Santa Cruz entre os anos de 1955 e 1956. Só pendurou as luvas em 1962, quando o Brasil já havia se tornado bicampeão mundial graças a, entre outros, Pelé, Didi e Djalma Santos, negros como ele.
Se no gramado a questão avança para a valorização dos talentos, no asfalto a verdade é outra. Dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE mostram que a desigualdade racial continua no Brasil, com os brancos recebendo salários mais altos e estudando mais que os negros (pretos e pardos). O Brasil ainda é racista e discriminatório, mas mais pessoas se declararam pardas (82 milhões ou 43,1%) e pretas (15 milhões ou 7,6%). O aumento da autoestima dessa população é o primeiro passo para garantir mais do que cotas.
Sessenta e quatro anos depois, em um mesmo mês de julho, dois Barbosas se encontram nesta história. No orgulho de não aceitarem que os outros narrem as suas próprias histórias. Bons de bola e de cabeça, Moacir, o julgado, e Joaquim, o julgador,  não terão o anonimato que tanto queriam. No lugar, o respeito dos que superaram barreiras graças aos seus exemplos.