Em Foco 0507

A canção “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” é cantada por crianças, homens, mulheres, torcedores com camisas dos seus clubes ou vestidos com o último modelo da Nike. É entoada até pelos estrangeiros. E é quando ela ecoa no estádio que até os rivais sacam suas câmeras para filmar a cena. Mas uma parte da mídia resolveu condená-la, rotulando-a como o canto de quem não sabe o que cantar. O patrulhamento ideológico imposto aos versos importados das quadras de vôlei é o tema do Em Foco do Diario de sábado, escrito por Fred Figueiroa, testemunha ocular e auditiva desta Copa.

Com orgulho e com amor

Tem sido um grande prazer redescobrir a essência de ter a nossa Seleção diante dos nossos olhos, movida pelos nossos gritos

Fred Figueiroa

Na entrada do Castelão, os torcedores brasileiros recebiam pequenos panfletos com letras de músicas compostas nos últimos dias diante da inusitada urgência de “ensinar” a torcida a torcer. Foram impressos milhares destes panfletos trazendo versos com acentuação que remetem ao espanhol – numa espécie de “argentinizição” das torcidas – e até com o refrão do incansavelmente repetido – e, sim, bonito – jingle de um banco. Nos ônibus a caminho do estádio e nos acessos (antes e depois do jogo), pequenos grupos conseguiram entoar de forma harmônica algumas dessas canções. Mas a verdade é que, dentro do Castelão, nenhuma delas foi gritada a plenos pulmões pelos milhares de brasileiros ali presentes.
Existe apenas uma exceção. A de sempre. E que sequer aparece nos tais panfletos. “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Esta sim é cantada por crianças, homens, mulheres, torcedores com camisas dos seus clubes ou vestidos com o último modelo da Nike. “Elite branca”, “elite preta”, “elite colorida”. É entoada até pelos estrangeiros. E é quando ela ecoa no estádio que até os rivais sacam suas câmeras para filmar a cena.
Mas uma parte da mídia resolveu condenar a tal canção popular. Rotulando-a como o canto de quem não sabe o que cantar. O patrulhamento ideológico imposto aos versos importados das quadras de vôlei começou na abertura da Copa em São Paulo e, possivelmente, está diretamente relacionado com os xingamentos à presidente Dilma Rousseff. Ali sentenciou-se que as ofensas partiram de um grupo adjetivado pejorativamente de “elite branca paulistana”. E toda a manifestação dos que estiveram naquele 12 de junho no Itaquerão acabou sendo enquadrada por parte da mídia como a representação de um grupo social que não traduz o país. E não traduz mesmo. Na verdade, nenhum grupo – dentro ou fora de um estádio – traduz o complexo e instável sentimento de uma nação.
E, no meio de um debate social interessante, a patrulha de uma espécie de esquerda-esportiva condenou a popular “Sou brasileiro…” à condição de “hino dos coxinhas”. E com ele a tese de que quem está indo aos estádios neste Mundial não sabe torcer. A teoria cresceu e depois da maioria brasileira ser abafada pela minoria mexicana no mesmo Castelão, ainda na fase de grupos, virou uma “questão de honra” transformar o público nos estádios em um coral bem ensaiadinho. Porém, no final das contas, quem acredita na eficácia dos tais panfletos é que parece não conhecer a essência de um estádio de futebol.
Nada, absolutamente nada, se sobrepõe a espontaneidade. E isso serve também para dentro das quatro linhas – onde, nos últimos dias, os jogadores da Seleção sofreram um outro patrulhamento em torno das lágrimas e da postura emotiva da equipe. Não se ensina a torcida a torcer. Não se ensina jogador a não chorar. E se hoje os brasileiros não possuem um repertório vasto de incentivos à Seleção é reflexo direto do distanciamento desta do nosso país. Consequências dos amistosos disputados na Inglaterra e Estados Unidos. Por isso também os jogadores não sabiam se comportar diante de milhares de apaixonados. Por isso eles choraram. Por isso nós cantamos que somos brasileiros, com orgulho e com amor.
Tem sido um grande prazer redescobrir a essência de ter a nossa Seleção diante dos nossos olhos, movida pelos nossos gritos. Por incrível que pareça é uma relação nova para toda uma geração. Muitos estão vendo o Brasil jogar pela primeira vez. E saem do estádio querendo ver de novo, e de novo, e de novo… Assim nasce uma torcida de verdade e uma Seleção de verdade. Seguimos em frente. Com orgulho. E, claro, com amor.