Quando o obituário de Vivian Maier foi publicado no jornal Chicago Tribune em 2009, pago por três amigos, os leitores tomaram conhecimento de que uma babá havia abandonado este plano após 83 anos de vida. Ninguém sabia que esta mulher havia construído uma grande obra completamente no anonimato. Foram mais de 100 mil negativos entre as décadas de 1950 e 1990. Com sua Rolleiflex a tiracolo, Vivian Maier registrou uma Chicago e outras cidades norte-americanas em plena fase de transição do pós-guerra. Apreciar os seus registros é a melhor homenagem, uma forma de revivê-la. Além de um documentário lançado no primeiro semestre nos Estados Unidos, a primeira versão em português da sua obra chegou ao Brasil. Vivian Maier: uma fotógrafa de rua foi tema desta matéria publicada na edição de domingo do Viver.
O clique da babá
Paulo Goethe
Em tempos de superexposição nas redes sociais, com a explosão de selfies e outros termos que surgiram a partir da popularização da fotografia digital, a história de Vivian Maier parece coisa de outro mundo. E, na verdade, é. Nascida em Nova York em 1926, trabalhou como babá para uma família de North Shore, em Chicago, durante as décadas de 1950 e 1960. Nas horas vagas, saía com uma Rolleiflex a tiracolo, registrando cenas da vida urbana de um Estados Unidos que se modernizava no cenário pós-guerra. Cenários, pessoas e animais, todos flagrados no momento certo. Sem nenhum treinamento, apenas a intuição, Vivian foi construindo uma obra que ficou para além do seu tempo.
Sem compartilhar com ninguém o resultado dos cliques, até o fim da década de 1990 ela produziu mais de 100 mil negativos, descobertos em 2007 pelo escritor e fotógrafo John Maloof, quando ele reunia material sobre a história da vizinhança onde cresceu em Chicago. O acervo estava em um guarda-volumes que foi a leilão por falta de pagamento. Maloof acabou se tornando o curador do tesouro e é quem edita e apresenta a edição brasileira de Vivian Maier: uma fotógrafa de rua, publicada pela Autêntica Editora. O escritor Geoff Dyer, que assina o prefácio, define em uma frase a importância da norte-americana que fez do hobby uma arte: “Vivian Maier representa um caso extremo de descoberta póstuma, de alguém que existe unicamente nas coisas que viu”.
Do acervo em segredo, pelo menos 90% das imagens foram catalogadas. Entre as fotos em preto e branco e coloridas, há autorretratos. Uma mulher que hoje nos encara em forma de desafio, convidando-nos para mergulhar no seu universo. Em abril, estreou nos EUA o documentário Finding Vivian Maier, dirigido por John Maloof com as imagens inéditas da fotógrafa e depoimentos de quem foi retratado ou conviveu com ela, sobretudo as crianças cuidadas na época de babá.
Vivian Maier morreu em 2009, aos 83 anos. O obituário, publicado no jornal Chicago Tribune, foi pago por três pessoas que não eram parentes. Com a obra revelada, somos agora todos próximos dela.