Em Foco 0907

A acachapante, para usar um termo muito usado pelos comentaristas futebolísticos, derrota do Brasil para a Alemanha foi capa de jornais no Brasil e no mundo e acabou sendo tema do comentário do Em Foco desta quarta-feira do Diario, escrito por Luce Pereira.

Belisca, para ver se é verdade…

Com o placar de ontem, o país sofreu choque de altíssima tensão. Perdeu a voz, voltou pálido para casa, recolheu a fantasia

Luce Pereira

Não era o Brasil em campo, ontem. Era o Brasil que não poderia ser, ao menos para não deixar nos olhos de gente de tão pouquinha idade, que assiste a uma Copa do Mundo pela primeira vez (e em casa), a marca de tamanho vexame. Foi a maior derrota do futebol brasileiro em cem anos, o que produz outra grande cicatriz no histórico de esperanças da torcida nacional, uma das mais apaixonadas do planeta futebol. Com esta goleada, o saldo amargo da Copa de 1950 ficou para trás, foi substituído pelo placar de ontem. O país sofreu choque de altíssima voltagem. Perdeu a voz, voltou pálido para casa, recolheu a fantasia.
Estas semanas de desbragada euforia, em que o hino foi cantado a plenos pulmões, embalaram o povo brasileiro e fizeram a nação dar “olé” nos quesitos simpatia e acolhimento. Reforçamos, aos olhos do mundo, a imagem de povo que nem gosta de perder o amigo nem a piada; fizemos até os algozes de ontem se sentirem em casa, eles próprios tomados pelo espírito descontraído da vizinhança que encontraram no último local de concentração, uma praia sossegada do litoral baiano. Ao menos isso poderia consolar. Mas, não.
Na cabeça de cada torcedor fervoroso estava a certeza de que a Alemanha iria brigar pela terceira colocação no torneio, enquanto o Brasil e a Holanda ou a Argentina se enfrentariam na final das finais, dia 13 de julho. Pelo excesso de confiança da torcida, nem que fosse por apenas um gol sobre a equipe adversária o time de Felipão ergueria a taça e, em casa, a Seleção mostraria que com gigante não se brinca.
Ah, se fosse assim… Como num circo onde se gargalha com comédia pastelão, milhares de crianças viram, pasmas, o seu gigante preferido levando repetidas rasteiras do “gigante forasteiro”, a quem, em tese, caberia apenas o papel de coadjuvante na cena. Não conseguiram esboçar um só sorriso. Saíram do espetáculo se sentindo enganadas pelo argumento da tradição, segundo o qual a derrota é sempre destinada aos outros. Ruim é que cheguem ao próximo espetáculo esboçando uma torcida discreta, mas ótimo que a lição as ajude a descartar qualquer ideia de favoritismo. Afinal, as outras seleções também evoluem – e como.
O gigante brasileiro não só perdeu como perdeu por um placar de 7 a 1, que a ilusão nos fazia crer ser apenas possível entre times obrigados a parar a partida para afugentar vira-lata desfilando no campo de terra batida. Não é resultado que combine com as glórias da Seleção Brasileira e assim a tristeza não está na derrota, mas na suprema humilhação. Tão suprema que agora o goleiro Barbosa (Moacir Barbosa do Nascimento) – aquele que morreu sem o perdão de ter levado um gol do uruguaio Ghiggia, na Copa de 1950, no Maracanã – já pode descansar em paz. Teve a falha superada pela “catástrofe” de ontem, no Mineirão. Foi assim que jornalistas classificaram o maior fiasco já protagonizado por um anfitrião, em copas.
Doeu. Como anestesiados dissemos “belisca, para ver se é verdade”, pois nem mesmo os comandados do técnico Joachim Löw acreditavam na surra aplicada com vontade no dono da casa. E era a mais pura de todas as verdades. Porém, embora pareça consolador torcer por uma derrota da arquirrival Argentina diante da Holanda, hoje, o mais urgente a fazer é virar esta página e deixar a ficha cair. Ainda há um jogo e um país esperando que falemos sério.