Em Foco 1007

Dois treinadores ex-campeões do mundo ficaram perdidos em algum lugar do tempo entre a arrogância e a autossuficiência. A coletiva de Felipão e Parreira para justificar os 7 a 1 da Alemanha mostrou que ainda estamos muito longe de reconhecer os erros e partir para as mudanças necessárias. O texto é de Fred Figueiroa.

Caras de pau e escudos de papel

Menos de 24 horas depois do massacre do Mineirão, foi a comissão técnica da Seleção que conseguiu tornar a situação ainda pior

Fred Figueiroa

Parecia impossível ficar pior, mas ficou. E não pela dramática classificação da Argentina para a final da Copa do Mundo. Não foi pelas provocações dos seus torcedores, a ironia das capas dos jornais ou as gracinhas das propagandas na televisão. Tudo isso tem importância secundária diante da realidade em que o futebol brasileiro está mergulhado desde o pior dia da sua história. Rivalidade fica para depois. O momento é de desconstrução e reconstrução. Mas, menos de 24 horas depois do massacre do Mineirão, foi a comissão técnica da Seleção que conseguiu tornar a situação ainda pior. A postura e as palavras de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira deixaram ainda mais claro que a goleada sofrida na terça-feira não foi obra do acaso e muito menos uma “pane” de seis minutos, como tentaram em vão nos convencer. O sentimento nacional de vergonha aumentava a cada palavra.
Os dois treinadores ex-campeões do mundo ficaram perdidos em algum lugar do tempo entre a arrogância e a autossuficiência. Hoje correm o risco real de serem lembrados mais pelo fracasso histórico do que pelas conquistas. Na desastrosa entrevista coletiva, tentavam tirar as próprias peles desta marca definitiva criando uma realidade imaginária baseada em números rasos em que apenas os dois parecem capazes de acreditar. Felipão até assume oficialmente a culpa, mas de uma forma que soa quase como uma obrigação formal, moral. Do que adianta assumir a culpa e não reconhecer os próprios erros? Como se autodefinir “culpado” pela eliminação e, minutos depois, falar em “trabalho perfeito”?
“O apagão foi tão grande que apagou a autocrítica da comissão na coletiva de hoje. Mas não o suficiente para apagar o jogo de nossa mente”, escreveu o ex-jogador e hoje comentarista Juninho Pernambucano em seu perfil no Twitter. Da redação do Diario, o jornalista João Andrade Neto definiu: “Depois da pior derrota da história da Seleção Brasileira, acompanhamos a pior entrevista da história da Seleção Brasileira”.
Com um esboço de sorriso irônico, Parreira exaltava a campanha até a semifinal. “Enquanto os ‘capazes’ voltaram para casa”, completava Felipão. Os dois insistiam em tratar um vexame sem precedentes como uma derrota comum e, nesta cruzada falaciosa, traziam papéis ofícios, recém impressos, para serem usados como escudos. O técnico exibiu números da sua trajetória na Seleção, apontando apenas três derrotas – sendo a única oficial diante da Alemanha. O auxiliar foi além e leu um suposto e-mail deixado no site da Fifa e direcionado a Felipão. A carta era assinada por “Dona Lúcia” e, em um dos trechos, Parreira até mudou o tom de voz para ler: “Dizem que as mulheres não entendem de futebol, porém entende de seres humanos”. Apelativos ao extremo. Frágeis. Caras de pau com escudos de papel.
Felipão e Parreira são mais do que funcionários da CBF. São garotos-propaganda, homens de confiança e representam uma linha de trabalho ultrapassada tática e estruturalmente e, ainda, eticamente questionável. Na próxima segunda-feira, certamente, os dois serão desligados do cargo. Mas seus conceitos ainda devem continuar ramificados na confederação. Hoje não existe margem para as mudanças mais profundas que o futebol brasileiro necessita. Marin fez o seu sucessor na CBF. Del Nero iniciará um mandato de continuidade aparando apenas as arestas urgentes.
Não foram só sete gols e muito menos, seis minutos. Entender (ou mesmo aceitar) isso é o ponto de partida para que as transformações necessárias aconteçam.