Às segundas-feiras, o Diario abriga opiniões em uma página que recebe o nome de Entrevista Especial. É um espaço nobre para quem sempre tem algo a dizer, administrado pela editora executiva Paula Losada. Profissionais de todas as editoras têm a chance de sugerir e exercer o velho formato de “pergunta e resposta”. O importante é o que o tema seja atual e de interesse dos leitores. Nesta segunda-feira, quando a Copa no Brasil já é um retrato na parede, o repórter de Superesportes, Celso Ishigami, transcreveu a conversa com o pesquisador Túlio Velho Barreto sobre as implicações da competição no país, com direito a vídeo.
ENTREVISTA// TÚLIO VELHO BARRETO
A Copa acabou. As discussões sobre ela e seus reflexos no país e nos brasileiros, entretanto, seguem em ritmo acelerado. Estruturalmente, o evento esteve longe de deixar o legado que dele se esperava. No âmbito esportivo, a herança é o trauma causado pela maior tragédia da história do futebol nacional. Tudo isso, em meio às vésperas de uma eleição presidencial que promete ser acirrada, mas que dificilmente será influenciada pelas nuances do Mundial. A pedido do Diario, o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto, analisou aspectos importantes da competição, como as diferenças entre o comportamento da população durante a Copa das Confederações e o Mundial. Bem como, o reflexo da interação entre brasileiros e estrangeiros e os efeitos do trauma causado pela estrondosa derrota para a Alemanha. No entanto, Túlio Velho Barreto ressalta que ainda é cedo para uma análise mais precisa sobre os reflexos da Copa no dia a dia dos brasileiros ou sobre sua influência no pleito de outubro. O sociólogo, porém, não duvida de que as últimas semanas deixarão marcas profundas na população.
“Para resolver esse trauma cultural vai levar um tempo”
Com o fim da Copa, que análise você faz da expectativa criada em torno do Mundial e do que se viu de fato?
Antes, é preciso lembrar que essa Copa tem um aspecto diferente das demais por conta das circunstâncias em que ela ocorreu. Pela primeira vez na história, houve tantas manifestações e questionamentos relacionados aos custos do evento e à participação da Fifa. A sensação inicial de que seria a Copa do Brasil logo foi desfeita. Ficou claro que não é. É um evento da Fifa sediado em um determinado país. Diferente da Copa de 1950 que foi organizada de acordo com o que o Brasil poderia oferecer.
Mas, no fim das contas, teve Copa.
De fato, foi um cenário bem diferente do que se viu na Copa das Confederações. Ali, houve uma grande contribuição do momento político e econômico que o país vivia. Um país emergente que, de certa forma, tinha escapado da crise mundial e que tinha a oportunidade de mostrar sua pujança econômica. Mas não se contou com essa coisa de a população ter um sentimento de cidadania e fazer questionamentos. Entre eles, sobre o deslocamento forçado de pessoas para a realização das obras dos estádios. Além do déficit do país em questões como educação, saúde, habitação, segurança, mobilidade. A partir disso, criou-se uma expectativa muito grande em relação ao comportamento da população durante a Copa. Mas é preciso se levar em consideração dois aspectos. A Copa do Mundo envolveu muitos outros países e uma movimentação muito grande de estrangeiros. E é um evento que o brasileiro gosta muito. Afinal de contas, é o país do futebol.
Em determinado momento, ficou a impressão de que os brasileiros perceberam que a Copa havia chegado. Isso também pode ter contribuído para enfraquecer o movimento contrário ao Mundial?
Isso contribuiu, sim. E tinha uma diferença em relação à Copa das Confederações, porque ali são poucas seleções e, por consequência, muito menos jogos que no Mundial. E no intervalo entre uma partida e outra, havia espaço para a mobilização. A mídia repercutia muito isso. Durante a Copa do Mundo, principalmente no começo, são jogos todos os dias. Até quatro por dia. E isso faz com que a Copa se imponha. Vi uma estatística de noticiários que dedicaram até 95% do seu tempo a assuntos relacionados à Copa. De repente, começou a Copa e mesmo quem não estava tão interessado se viu envolvido por amigos, parentes, colegas de trabalho.
A maneira como se deu a eliminação do Brasil pode interferir na relação da população com a Copa?
Ser goleado daquela forma, numa semifinal em casa, conspira para algo que a gente chama no âmbito da sociologia de trauma cultural. Não é um trauma que atinge o indivíduo, mas a coletividade.
Quais os reflexos disso?
Pois é. No Brasil, deveria ser a reestruturação completa do nosso futebol. Mas, na minha visão, não acredito que isso vá ocorrer. Seria uma surpresa e, sem dúvida, um grande legado. Chovendo no molhado, seria seguir o exemplo da Alemanha, que desde a final de 2002 promoveu uma mudança drástica na estrutura do futebol do país. Só que isso ocorreu num cenário cultural muito diferente. Aqui tem a coisa da cultura do jeitinho. Ricardo Teixeira saiu para não ser atingido da maneira como deveria ter sido atingido. Aí, Marin assume – o que não significa uma mudança significativa. Agora, o Marco Polo Del Nero já está eleito. Então, aquilo que poderia provocar uma mudança, no Brasil, dificilmente ocorrerá. Infelizmente. A derrota poderia ter esse efeito. Em relação aos brasileiros – sobretudo os que acompanham futebol de fato -, ainda é muito cedo para saber o que vai acontecer. O fato é que os 7 a 1 contra a Alemanha ainda está muito recente, mas que certamente, ficará registrado definitivamente na história das Copas do Mundo. Tem uma dimensão maior do que o Maracanazo. E uma consequência importante e direta disso é a desconfiança sobre a Seleção. O Brasil terá de alcançar um feito relevante para começar a restaurar essa confiança. Deve contribuir para arranhar ainda mais a autoestima. Para resolver esse trauma cultural vai levar um tempo.
Saímos do clima de Copa para o clima de eleições presidenciais. O Mundial pode ter alguma influência no resultado desse pleito?
Do ponto de vista político, ainda estamos muito no calor do momento. Ainda não está muito claro até que ponto o brasileiro está associando a realização da Copa e o seu resultado com as eleições. Ainda é cedo para perceber quem tem mais a ganhar, se a situação ou a oposição. Eu tendo a pensar que como a Copa não deixou de ter seus problemas, como a questão da mobilidade e do percentual de obras que não foram entregues, não permitirá que o governo tente puxar para si alguns resultados positivos. O máximo que o governo tem feito é tentar caracterizar o Mundial como a Copa das Copas. E, de uma forma ou de outra, a Copa correu bem, sem maiores problemas. Se as cidades tivessem sido transformadas, como era a promessa, o governo poderia capitalizar mais. Tendo a achar que o governo não tem como explorar muito este assunto na campanha. Por outro lado, a oposição também não tem porque não houve mobilizações ou problemas relevantes. Então, a tendência é de a Copa não ter muito significado para a eleição. Não foi um fiasco em todos os sentidos, e tampouco foi um sucesso em todos os aspectos.