Preservativos masculinos tomam o chão no percurso apressado feito sob sol a pino. Desvendar o mangue da Avenida Prefeito Artur Lima Cavalcanti, em Santo Amaro, não é tarefa para desavisados. Um dos símbolos da paisagem recifense é também esgoto sexual, como diria Oswald de Andrade em seu poema Santeiro do mangue. É abrigo de uma “quase espécie”, a “mulher-caranguejo”. Seres dormentes pelos efeitos do crack e por um histórico de desestrutura familiar e pobreza. Ocupantes da base da pirâmide da prostituição, não possuem dentes, carecem de banho. Têm ferimentos ou marcas deles pelo corpo. O dinheiro obtido no sexo barato feito na lama é gasto com drogas.
O parágrafo acima é o início da narrativa da repórter de Local, Marcionila Teixeira, nas duas páginas publicadas na edição desta terça-feira do Diario de Pernambuco. Ela e o repórter fotográfico Allan Torres enfiaram literalmente o pé na lama para contar, em texto, fotos e também em vídeo, como vivem as mulheres que se sustentam com o que tiram dos homens no mangue. Um mundo onde os programas sociais ainda não conseguem mudar a realidade apenas vista de relance por quem circula de carro no trecho que está no limite entre Recife e Olinda. Em um ambiente de violência e medo, conquistar a confiança de quem nunca foi ouvido exige paciência e respeito. Às vezes o jornalismo tem que ir ao extremo para forçar uma mudança. As mulheres devem deixar de ser caranguejos para seguir em frente.
Abaixo, o restante do texto da matéria principal:
É manhã de um dia de semana. O movimento de clientes ainda é fraco se comparado com o da tarde e da noite. Meninas e mulheres misturam-se aos caranguejos habitantes da mesma lama salobra. Ao longo das trilhas construídas pelos passos constantes na beira do mangue, prostitutas estão “malocadas” sob guarda-chuvas. Também improvisam barracos de lona. Escondem assim o uso da droga.
Privacidade não existe na hora do sexo. “A gente faz em pé mesmo. Mas tem sofá lá dentro, bicicleta de ginástica. Tem até colchão box. Tem árvore daquelas dobradas. Mas não gosto das árvores. Cheguei a ver sangue nelas”, relata Juliana*, 23 anos. Os braços de Juliana têm cicatrizes de ferimentos provocados por ela própria. Conta que cortou-se em crises depressivas provocadas pelo uso do crack. “Cada ‘tiro’ que dava, me cortava”, lembra, referindo-se à baforada no cachimbo.
Quando o efeito da droga passa, as mulheres buscam por comida e bebida. Mas vários dias podem se passar sem que elas se deem conta da necessidade. “Tem cliente que passa e dá comida. As colegas também oferecem pra gente”, conta Fernanda*, 19, com corpo de menina de 12 anos e rugas em torno dos olhos comuns a mulheres maduras. Quanto mais suja e deteriorada pelas drogas a mulher está, mais ela é procurada pelos clientes, contam. E eles pertencem a variadas classes sociais e profissões. Também há os casados.
À noite, o número de clientes aumenta, e com eles a degradação das meninas. O banho é artigo supérfluo após o sexo. Quando desejam fazer a higiene, procuram a torneira próxima à Ponte do Limoeiro, onde estão os pescadores.
Imagens: Allan Torres/DP/D.A Press
Reportagem: Marcionila Teixeira
Edição de imagens: Roberta Cardoso