,dpt1608p0008A colunista Marisa Gibson, o blogueiro Josué Nogueira e as repórteres Rosália Rangel, Silvia Bessa, Aline Moura e Glauce Gouveia tiveram por anos uma relação profissional com Eduardo Campos representando a editoria de Política do Diario de Pernambuco. Na edição do jornal deste sábado, deixaram de ser apenas assinaturas nas páginas e contaram histórias de bastidores de um político que sabia do papel da imprensa. No Recife para acompanhar o velório e o enterro do homem que queria ser presidente, a colunista de política do Correio Braziliense, Denise Rothemburg, também escreveu sobre Eduardo como fonte.

,dpt1608p0009MARISA GIBSON
A surpresa de uma ligação inesperada

Ao retornar de um exame médico, na manhã de 28 de janeiro, havia três ligações do governador Eduardo Campos em meu celular. Fiquei imaginando o que teria acontecido e, antes de retornar, tive o cuidado de ver o que eu havia escrito na coluna Diario Político. Enviei então uma mensagem explicando que não havia atendido as ligações porque estava no hospital. Ele respondeu: “Agora, quem está no hospital sou eu. Dona Marisa, chegou a hora de Miguel nascer”.
Ficamos então conversando sobre a vinda de seu filho caçula e, quando era obrigado a interromper as ligações, ele pedia “não desligue, não”. Até que direcionou o assunto para a sucessão presidencial, quando falou bastante sobre o seu relacionamento com Lula, explicando os motivos pelos quais jamais iria criticar o ex-presidente. Depois falou sobre a eleição estadual, e que planejava anunciar os candidatos após o carnaval se bem que o ideal seria o mês de junho, para que a “chapa não envelhecesse antes da convenção”.
A conversa, bastante informativa, me rendeu muitos comentários, como sempre acontecia em nossso encontros. A propósito, minhas entrevistas com Eduardo eram mais longas conversas, ocasiões em que me fazia revelações interessantes. Havia um grau de confiança nessas “entrevistas”, sobretudo porque, da velha geração, tive uma convivência com o ex-governador Miguel Arraes, época em que fui editora de Política do Diario, quando também o entrevistava como chefe de gabinete do avô. Por conta disso, no início do seu primeiro mandato, quando ele achava que eu o criticava por algum motivo na coluna, afirmava para quem estivesse ao seu lado: “ela gostava mais do meu avô”.

DENISE ROTHEMBURG
A confiança entre jornalista e fonte

Tive o privilégio de acompanhar a carreira de Eduardo Campos desde 1998, quando passei a trabalhar nos Diários Associados, grupo com presença forte em Pernambuco. A confiança que rege a relação fonte-jornalista e vice-versa se consolidaria a partir de 2003, quando o neto de Miguel Arraes, que a maioria dos coleguinhas distantes de Pernambuco desconhecia, virou líder do PSB.
O contato com ele sempre foi fácil e fraterno. Atendia o próprio telefone e não escondia nenhum dos números, por meio dos quais podia ser localizado. Inclusive o de dona Renata, sua parceira de toda uma vida. Sempre mantinha contato com o grupo que mais gostava. Certa vez, ele estava de carona com o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, para quem eu telefonei para falar de uma pauta tucana. Eduardo pediu a Cássio que lhe passasse o telefone: “Rothenburg! É assim, é? Não fala mais com os pobres de Pernambuco? Peguei!”
As conversas para trocar ideias sobre o cenário político eram em off, para que ele não precisasse medir as palavras, algo que os políticos só fazem com quem confiam. (E que os jornalistas só publicam quando também têm a mesma confiança na fonte).
Mas quando ele negociou a ida de Marina para o PSB, numa sexta-feira à noite, ele me diria no dia seguinte: “Ainda bem que você não ligou, nem pra mim, nem para Renata. Desta vez, eu teria que tirar você da notícia. A história não podia vazar ontem. Agora, já posso contar”. É difícil de acreditar que estou aqui para seus funerais e não para mais uma conversa sobre cenários políticos, recheada de bom humor na varanda de sua casa.

ROSÁLIA RANGEL
O chamado sempre vinha

Falar da minha convivência com Eduardo Campos seria uma tarefa fácil se em outra circunstância. Começo esse texto dizendo isso porque ver Eduardo nas ruas em contato com o povo ou em solenidades administrativas me permitiu colecionar muitas histórias. Momentos que vão além das apurações para as incontáveis reportagens que fiz com o candidato nas eleições de 2006 e 2010 e governador de Pernambuco por dois mandatos.
Episódios pitorescos, engraçados que não combinam com o atual momento que vivemos, mas merecem ser contados para que conheçam um pouco de Eduardo nos bastidores.
Um político atento para não deixar escapar do olhar da imprensa casos que ele considerava relevantes, principalmente quando se tratava de pessoas que conseguiram vencer as adversidades, apesar das dificuldades.
Não foram poucos as vezes que me chamou para presenciar suas conversas com um morador de um município que tinha esse perfil. “Chama Rosália aí”, dizia para os assessores, quando percebia que a história era interessante. Certa vez, em Quixaba, sempre seguido por uma grande número de pessoas, entrou numa pequena sala de um prédio público. O espaço era pequeno. Resolvi esperar do lado de fora. Não passou muito tempo para o chamado chegar.
Ao entrar na sala, disse de pronto: “Venha ver o sucesso desse menino”, disse, com um largo sorriso e o braço por cima do ombro de um jovem aluno da escola municipal premiando na Olimpíada Brasileira de Matemática.
Também costumava chamar a atenção quando chegava muito cedo na agenda e a repórter aqui com alguns minutinhos de atraso.

ALINE MOURA
Com o olhar de raio laser

A primeira pergunta respondida com gargalhadas, de um governador eleito pela primeira vez, a gente nunca esquece. Esse foi o meu primeiro contato com Eduardo Campos após ele ganhar a eleição de 2006. Não pude participar da coletiva que ele concedeu ao Diario após aquela vitória histórica, mas entreguei uma listinha de perguntas à minha amiga Rosália Rangel e ela não se furtou em perguntar uma delas: “Em que momento o senhor deixou de ser X para virar Y, governador?”. Rosália me contou que ele deu uma risada tão alta ao escutar que encurvou o corpo para trás. Eu também ri muito. Tive que explicar depois o que queria dizer. Precisava saber em que momento a vida dele tinha dado uma guinada que tinha virado a página para sempre. Era “aquele momento”, afinal.
O que me encantava em Eduardo era sua forma de comunicação, de passar cerca de uma hora conversando com jornalistas para formar opinião e se defender, incansável. Quando discursava para um público mais simples, falava como um pastor. Às vezes, eu ficava até com os olhos marejados, precisa disfarçar, mas ele via, por ser extremamente observador. Era o tipo de pessoa que falava com detalhes de todos os assuntos, porque se dedicava a estudar, estudava muito. Isso era admirável e inspirador. “A vida é como esta fábrica, cada peça precisa se encaixar para funcionar”, disse na inauguração de uma unidade fabril. Quando eu apontava contradições do seu discurso e ele se chateava, chegava tão perto, com os olhos de raio laser, que eu precisava recuar alguns passos. E eu arregalava os olhos, também. Dava medo, porque ele tinha poder e argumentos na ponta da língua.
Minha relação com ele, portanto, sempre foi no limite do encantamento e do medo. Mas o que prevalecia era o respeito de ambas as partes. Ele já elogiou matérias minhas e eu retribuía do mesmo jeito ao ver algo no estado funcionando em benefício das pessoas. Fazia parte da nossa “fábrica”.

GLAUCE GOUVEIA
E o telefone ficou mudo

Eu não sei exatamente em que momento Eduardo Campos deixou de ser deputado federal pelo PSB para se tornar uma das melhores fontes que tive nos meus 26 anos de jornalismo. Digo uma das melhores porque, enquanto deputado federal, ministro da Ciência e Tecnologia, candidato a governador, governador e recentemente candidato a presidente, sempre atendeu seu celular em muitas das vezes que liguei (assim como acontecia com outros colegas de profissão) e falava tudo o que achava e que sabia poder falar. Ora em on, ora em off, ora em out (quando ele dizia coisas que não nos permitia publicar). Nesses casos, muitas vezes era necessário negociar para que a notícia fosse publicada.
Como profissional, o que mais me encantava naquele político-fonte era o fato de saber que ele estava ali, do outro lado da linha, para me atender. Estava ali para tirar minhas dúvidas e muitas vezes me dar um norte quando esse faltava na hora de começar alguma reportagem que envolvia os bastidores do PSB ou da Frente Popular (grupo político ao qual pertencia). Era seguro saber que, numa sinuca de bico como a que vivi com a colega Rosália Rangel em 2013 em Fortaleza, ele estaria com o celular em mãos para nos “socorrer”. Na capital cearense, o governador Cid Gomes, então PSB, foi o porta-voz de todos os chefes de estado do Nordeste após reunião com a presidente Dilma Rousseff (PT). Eduardo já era pré-candidato não oficial. Cid queria apoiar Dilma. O racha existia. Mandei uma mensagem: “Cid vai mesmo falar em seu nome?”. Não deu dois minutos e o telefone tocou.
Depois de sua morte e do luto que é de todos nós, não paro de olhar para meu celular e pensar que ele estará para sempre “mudo de Eduardo”.

SILVIA BESSA
Estrategista até com os repórteres

Ir para uma entrevista com Eduardo Campos exigia preparo, se o sujeito-repórter estivesse disposto a trazer para a redação uma notícia que merecesse chamada no alto da página do jornal. Eduardo tinha uma inteligência e uma perspicácia fora da média e, se o jornalista não tivesse cuidado, dentro de dois tempos ele mudava a rota da entrevista, fazia perguntas e conduzia as falas para onde bem queria. Sempre sabia o que queria. Repetia uma, duas, três vezes aquilo que deseja que anotássemos no caderno com destaque. Chegava a ser sedutor como fonte porque gostava de conversar e tinha frases fortes, dessas que a gente procura em entrevistas, e invariavelmente parecia seguro do que dizia – ainda que não estivesse seguro. Podia ser intimidador com o olhar de reprovação a um questionamento mais contundente ou infundado. Nos esnobava quando exibia flashes de sua memória. Fui repórter da editoria de Política durante anos e lembro de quando viajava na década de 1990 pelas estradas do Sertão acompanhando Arraes, o avô. Eduardo já era o Eduardo que víamos em 2014: gentil, didático e excelente fonte. Fazia questão de tratar cada um de nós com certa individualidade. Em ocasiões, deixava escapar que havia lido o tinha sido escrito. Era excepcional como estrategista. Usava dessa sua característica para construir as suas relações com jornalistas.

JOSUÉ NOGUEIRA
Sem pressa na feira de Peixinhos

De plantão numa manhã de sábado em 2006 fui pautado para cobrir uma caminhada de Eduardo Campos na feira de Peixinhos, em Olinda. Em campanha para o governo do estado, o socialista priorizava atividades de rua. Disputava contra o governador Mendonça Filho (DEM) e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT). Eduardo estava em terceiro nas pesquisas. Mas se lhe faltavam estrutura, percentuais de intenção de voto e máquina estatal, lhe sobrava disposição para o corpo a corpo. Ele dedicou mais de três horas entre as barracas. Cuidava de ser anunciado como o neto de Arraes, cartão de visitas que lhe garantia as boas-vindas. E conversava demoradamente com quem queria lhe ouvir.
Aquela ausência de pressa me espantou. Setorista da candidatura oficial, estava habituado a caminhadas de dez a 15 minutos, tempo máximo que Jarbas Vasconcelos costumava destinar a eventos.Comentei com Rosália Rangel sobre a diferença entre os formatos das campanhas. “É todo dia assim”, observou. Era tudo verdade e era só o começo. Dali em diante, vimos o candidato subir num caixote, crescer nas pesquisas, chegar ao 2º turno e vencer a eleição. Curiosamente, o estilo que ele manteve ao longo de dois mandatos, sempre destinando tempo ao contato com eleitor, era o oposto do frenesi que pautou a gestão, a busca por mais poder, a sede de vitórias. Apenas mais uma das contradições de Eduardo Campos.