Em Foco 1608

Todo jornalista precisa de boas fontes – pessoas bem informadas, que ajudam a esclarecer o que está acontecendo na área que você cobre. Não é uma relação construída na ingenuidade. Quem afirma isso é Vandeck Santiago, autor do Em Foco do Diario deste sábado, a respeito da relação que Eduardo Campos tinha com os profissionais da imprensa, daqui e alhures.

O político e a mídia

O homem público antenado com os novos tempos sabe que o seu sucesso vai depender de como a informação sobre ele chega ao grande público

Vandeck Santiago

Da nova geração de líderes, Eduardo Campos foi o que melhor soube reconhecer o peso que a imprensa tem para um político e administrador público. Esta compreensão explica um pouco como ele conseguiu sair do casulo de um político regional para tornar-se um político nacional. Era interlocutor frequente de repórteres e colunistas de política dos principais veículos do Brasil. Lembro-me de entrevistas que fazia com ele às seis da manhã, em um restaurante especializado em café da manhã no Recife (antes de ele tornar-se governador). Duravam o suficiente, mas ele sempre saía apressado porque dizia que precisava levar os filhos à escola.
Como deputado federal (eleito em 1998 e reeleito em 2002), e depois ministro do governo Lula (pasta de Ciência e Tecnologia, em 2004), ele era muito bem informado sobre os bastidores da política nacional. Para melhor informar, todo jornalista precisa de boas fontes – pessoas bem informadas, que ajudam a esclarecer o que está acontecendo na área que você cobre. Não é uma relação construída na ingenuidade. Em toda informação repassada por uma fonte, existe algum interesse (o que não quer dizer que seja “escuso”). O repórter deve colher a informação e checá-la com outras fontes para verificar sua veracidade. Não necessariamente para publicar a notícia, mas para ter elementos que lhe possibilitem compreender o que está acontecendo.
O próprio repórter faz seu crivo: quem mente, quem chuta (dá informações sem ter certeza), quem passa notícias erradas, quem dá a mesma notícia para vários profissionais perde a credibilidade. Quem passa pelo crivo, torna-se fonte confiável. Eduardo era desses. Como em várias outras práticas dele, minha impressão é que a inspiração aí vinha de sua convivência com Miguel Arraes – inspiração no sentido inverso. Quando falava algo sigiloso, Eduardo gostava de usar a expressão: “Isso é em out”, numa contraposição ao termo usado por jornalistas, “em off”, quando você se compromete a não citar a fonte se a informação for publicada. Arraes não era político de passar nem off, quanto mais out… E mesmo quando falava, era evasivo. “Dr. Arraes, o senhor vai romper com Sarney?” E ele: “Tudo é possível no mundo dos possíveis…”.
Recordo de uma entrevista feita por um repórter de uma grande revista de circulação nacional. Eu estava presente, Arraes era governador. Destinava se à parte de entrevistas da revista, que são sempre publicadas em páginas de uma mesma cor (para uma referência hipotética, digamos que de cor “azul”). Depois da quinta ou sexta resposta evasiva de Arraes, o repórter impacientou-se: “Governador, desse jeito o senhor não vai sair nas páginas azuis de nossa revista!”. E Arraes, sorrindo sem mover os lábios, jogou as mãos para os lados, naquele gesto característico de despreocupação, como quem dissesse: “Meu filho, e daí?…” A entrevista nunca saiu.
Eduardo não era assim. Ele sabia que nesses tempos que vivemos a relação com a mídia é imprescindível – o que não significa estar submisso ao que a mídia quer, mas a vê-la como uma forma de prestar contas à sociedade e de relacionar-se com ela. Não é só na política que é assim. Durante a escolha do novo Papa em 2005, o arcebispo do Rio, D. Eusébio Scheid, que participou da eleição, foi claro ao destacar a característica que o novo escolhido deveria ter: “O papa que entrar tem que ser um homem da mídia. Não vai, hoje, sem mídia”.
O contato fácil com a imprensa não significa que ela só vai publicar notícias positivas sobre você. Mas significa que o seu trabalho e suas opiniões podem aparecer mais no noticiário (não entram neste raciocínio, claro, aqueles casos em que há má fé ou hostilidade de um veículo contra determinada liderança). E que o noticiário alusivo a você terá um padrão elevado de exatidão. Todos nós sabemos que o homem público costuma ter uma agenda apertada – mas se o que ele faz nessas agendas apertadas não chega ao grande público, é como se nada tivesse sido feito. Pela minha experiência, creio que secretários, dirigentes de empresas e ministros em geral têm muita dificuldade de entender isso. Prefeitos e governadores absorvidos pela burocracia, também. Mas o homem público antenado com os novos tempos e que ambiciona ir além do posto que alcançou, compreende perfeitamente esta necessidade. Ele sabe que o fundamental é que a informação chegue ao público – não importa se para isso tiver que atrasar solenidades, atender ligações em horário impróprio ou dar entrevista às seis da manhã comendo macaxeira com carne de sol.