Em Foco 1708

Nove anos atrás, uma multidão saiu do Palácio do Campo das Princesas em direção ao cemitério de Santo Amaro. O percurso de dois quilômetros era para acompanhar o caixão do governador de Pernambuco por três vezes, Miguel Arraes. Esta caminhada silenciosa e dolorosa foi retomada em nome de Eduardo Campos, neto de Arraes e governador do estado por duas vezes. A gratidão popular, tão comum no Nordeste, é tema do Em Foco do Diario deste domingo, escrito por Luce Pereira.

Último ato

Para o adeus ao ex-governador, estima-se a presença de cerca de quinhentas autoridades e um público em torno de 150 mil pessoas

Luce Pereira

Pessoas muito simples, acostumadas a lidar com dificuldades severas como se fosse destino enfrentá-las, não se esquecem quando os olhos ou um pequeno gesto do poder público as alcança e, ainda que brevemente, as tira do anonimato. É desta gratidão que se nutre a política brasileira, sobretudo a que se faz no Nordeste, terra com carências e desigualdades do mesmo tamanho. Não seria diferente com o povo da pequena Granito, no Sertão (523 km do Recife), que ainda hoje agradece a Luiz Gonzaga por tê-la citado em um de seus maiores sucessos (Respeita Januário), algo equivalente a um cartão de visitas.
Sim. No entanto, as palavras que verdadeiramente soariam como música ao ouvido de pouco mais de 7 mil moradores iriam ser pronunciadas pelo postulante do PSB ao governo do estado, em 2006, Eduardo Campos. Traduzidas ao pé da letra, significavam visibilidade para o município através de obras que fortaleceriam a economia local. Granito acreditou, tornou-se o maior reduto eleitoral do candidato e foi recompensada com o cumprimento de promessas de campanha. De lá para cá, a admiração e a fidelidade dos granitenses ao governador cresceriam na proporção do choque que viriam a ter ante a notícia da morte, na última quarta-feira. Desde então, ficaram vazios e em silêncio como deve permanecer a única avenida da cidade, neste domingo.
Enquanto a pequena Granito vai agradecer pela última vez, com os olhos grudados na televisão, ao homem que ajudou a melhorar sua autoestima, o palco da verdadeira despedida — o Palácio do Campo das Princesas e o entorno – espera receber cerca de quinhentas autoridades e um público em torno de 150 mil pessoas para os funerais. De acordo com a meteorologia, o domingo será nublado e com possibilidade de chuva, mas as condições do clima, desta vez, não importarão. Faça sol ou caia temporal, recifenses que acreditaram no projeto político de Campos e gente vinda em caravana de muitas partes do estado se juntarão a parentes e amigos para a última homenagem.
Na manhã de sexta-feira, a senhora encarregada de cuidar do jazigo da família, no Cemitério de Santo Amaro, era a tristeza e a serenidade em pessoa, embora estes não pareçam sentimentos que se manifestem ao mesmo tempo. Dizia a um canal de TV que o ex-governador tinha em comum com o avô Miguel Arraes a simplicidade e por isso tudo ali  deveria seguir esse princípio. A propósito, característica que foi ressaltada pela família quando decidiu incorporar ao velório do governador os caixões com os restos mortais dos colaboradores de campanha que também faleceram no acidente aéreo, em Santos – o jornalista Carlos Percol, o repórter fotográfico Alexandre Severo e o cinegrafista Marcelo Lyra.
Tudo de acordo com o figurino que fez de Campos um emblema da esperança numa suposta “nova política”, exercida com juventude, fé no futuro. E num espírito de “nova política” não cabe falta de respeito às diferenças, ainda mais numa hora em que todas elas naturalmente se igualam. Será, portanto, momento apenas para breve mergulho e reflexão acerca de lições e aprendizados futuros.
Não por acaso, os que se despediram da vida naquele acidente foram dormir certos de que, um dia, o país será melhor e mais justo, uma terra para criar os filhos, como disse o ex-governador em sua última entrevista. Pois que sigam em paz e que no lugar das diferenças sobreviva a conclusão que ajudou a fazer de Fernando Pessoa um dos poetas mais brilhantes de todos os tempos: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.