Em Foco 2108

A presença chinesa no Brasil já é uma realidade. E não apenas nos produtos de camelôs. Muito pelo contrário. Com o crescente intercâmbio comercial, cultural e turístico, o Nordeste entrou de vez no radar de Pequim. Pernambuco vai abrigar o terceiro consulado do país, depois de São Paulo e Rio de Janeiro, sem falar da embaixada em Brasília. Tema do Em Foco desta quinta-feira do Diario de Pernambuco.

Negócio da China

Implantação de consulado do país em Pernambuco revela o crescimento da importância econômica e cultural do Nordeste

Paulo Goethe

Confúcio (Kung-fu-tzu, 551 a.C. – 479 a.C), o sábio, teria afirmado: “As naturezas dos homens são parecidas. São os seus hábitos que os afastam uns dos outros”. Seus compatriotas continuam seguindo à risca este ensinamento. Potência econômica deste século 21, a China vai ampliar sua presença em Pernambuco. Há três meses, Wang Xian – com mais de 30 anos de carreira diplomática em países como Portugal e México e em Macau (território administrativo chinês) – mudou-se de mala e cuia para o Recife. Sua missão: abrir ainda neste ano um novo consulado do seu país, com abrangência para todo o Nordeste, com exceção da Bahia.
O cônsul-geral da República Popular da China para a terceira base no país – além da embaixada em Brasília, só existem representações diplomáticas no Rio de Janeiro e em São Paulo – vem fazendo visitas de cortesia a autoridades locais, ao mesmo tempo em que prospecta possibilidades econômicas. No Tribunal de Justiça de Pernambuco, Wang Xian quis conhecer como funciona o sistema prisional do estado. Empresas do seu país que venham se instalar podem utilizar a mão de obra carcerária local.
A capital pernambucana entrou no radar chinês por sua localização estratégica e importância cultural e econômica no Norte e Nordeste. De Brasília, o embaixador Li Jinzhang já havia ressaltado: “O Recife é uma das cidades mais importantes do Brasil e, historicamente, foi o primeiro centro político e econômico do país. Além disso, é uma cidade muito bonita, onde o moderno e histórico convivem em perfeita harmonia”.
Harmonia faz parte da filosofia oriental. Por isso que os chineses querem exportar também sua cultura. Desde novembro funciona na Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (FCAP/UPE) o Instituto Confúcio para o ensino na língua chinesa, o sexto do Brasil. Do idioma para a cultura é apenas um passo. Daí para o consumo, é mais um pulo. Pensando bem, homens de naturezas parecidas são um bom negócio, concordaria Confúcio.
Estima-se que a comunidade chinesa no Recife seja formada por aproximadamente 2,5 mil pessoas. O bairro de São José tornou-se a parte mais visível desta presença, uma verdadeira Chinatown, com lojas de artigos baratos, batizados pejorativamente de xing-lings. Comunidade fechada, sem dominar a língua portuguesa, com o novo consulado pode estreitar mais relações com os pernambucanos.
A representação diplomática também vai ajudar os empresários locais que descobriram que o que vem da China não é só falsificação e contrabando. A Federação de Comércio de Pernambuco (Fecomercio) já fez duas missões levando empresários para o país. Na última, 80 interessados resolveram ver in loco o que existe do outro lado do muro.
A presença chinesa em Pernambuco teve início na década de 1920, a partir da Guiana inglesa. Na década de 1970 foi a vez de imigrantes de Taiwan. Nas três últimas décadas, chineses vindos da tríplice fronteira – Brasil, Argentina e Paraguai – chegaram ao Recife para expandir seus negócios, ajudados pela consolidação do Porto de Suape.
Em 1887, o então presidente da província de Pernambuco, Pedro Vicente de Azevedo, publicou relatório no Diario de Pernambuco defendendo a importação de colonos de outros países. Ele criticava os proprietários de terras de não querer contratar estrangeiros, entre eles os chineses, “por falsos preconceitos”:
“Na enumeração do que mais carece, elle nunca considera o immigrante; faz echo antes com a erronea opinião de que o clima do norte do nosso pais não serve para o europeu, que até certo ponto suppõe que virá a ser mais um competidor de sua desalentada industria”, escreveu Azevedo. Até parece que ele lia Confúcio.