Depois de cinco dias de publicação no Diario de Pernambuco, entrou no ar nesta sexta-feira o hotsite Herdeiros da violência, trazendo material extra (novos textos, galeria de fotos, vídeo e a pesquisa completa Infância e violência: cotidiano de crianças pequenas em comunidades do Recife) do trabalho produzido pela editora assistente de Economia Leianne Correia e a repórter fotográfica Teresa Maia. Além do último capítulo da série no papel, com as possíveis soluções para acabar com a hierarquização da violência retratadas em comunidades como Canal do Arruda, Chão de Estrelas e Santo Amaro, o leitor do jornal teve acesso aos bastidores da produção da reportagem, com detalhes da reação dos entrevistados quando abordados sobre um tema comum e incômodo a eles. É material ainda pouco comum na imprensa local, mas uma “contribuição”, como afirma Leianne no texto abaixo, para mostrar que as letras e imagens são apenas do trabalho jornalístico.
Bastidores de uma reportagem
Por Leianne Correia
Violência e criança são palavras que não deveriam estar numa mesma frase. Infelizmente, a realidade é outra nas comunidades do Recife. Elas andam de mãos dadas e ganham uma conotação terrível quando o termo “contra” aparece entre elas. E como tratar de um tema com uma carga tão pesada?A resposta só veio depois de cair em campo. Para isso, o primeiro passo para o trabalho foi vender a pauta. Ideia comprada, é hora de cair em campo. Contato feito com a assessoria da PUC-RS, trabalho disponibilizado para entrevistar o coordenador do levantamento, o professor Hermílio Santos. Conversa esclarecedora e mais um passo para ir, inloco, nas comunidades que serviram de base para a coleta de dados. E aí entrou a participação especial da mestranda em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco Patrícia Oliveira.
Ela foi a guia da equipe nos contatos com a comunidade. A primeira foi a do Canal do Arruda. Um local que passei poucas vezes e minha lembrança mais forte era a sujeira e o mau cheiro. Ao chegar, uma sensação claustrofóbica. Becos apertados, onde as crianças se revezam jogando bola, andando de bicicleta, correndo para extravasar a energia. A primeira entrevista foi o retrato mais fiel da pesquisa. Uma casa onde moram 8 pessoas, dividindo o espaço em três cômodos. A liberdade de ir e vir já é limitada dentro da própria casa.
No primeiro dia, ao percorrer os becos para as entrevistas, a fotógrafa Teresa Maia, companheira de projeto, já sentiu o clima de recepção. Um rapaz, ao perceber a movimentação de fotos, deu o recado: “Ou guarda a máquina ou quebro.” Apesar do incidente inicial, o que mais chamou a atenção de Teresa foram os depoimentos dos personagens que ouvimos. Os relatos de suas vidas e a convivência com a violência. E que, apesar das adversidades, as pessoas não queriam deixar o lugar onde moram. “Os depoimentos me chamaram mais atenção que as situações”, reforçou Teresa, já acostumada a ver a miséria de perto e retratá-la.
Chão de Estrelas é uma comunidade mais ampla. Apesar do espaço, andar pelas ruas não foi um “privilégio” nosso. O local estava em pé de guerra com a comunidade vizinha, a Saramandaia. Por conta do clima, não conseguimos ir a nenhuma casa dos entrevistados. Todas as conversas aconteceram em duas organizações-não governamentais, que prestam serviços à população: a Daruê Malungo e o Centro Comunitário.
As pessoas que nos acompanhavam sugeriam que as entrevistas fossem nas ONGs. Nos locais onde estivemos, criança tinha espaço para ser criança. Tudo isso, dependendo de doações – sempre bem-vindas – de empresas locais, nacionais e internacionais.
Um capítulo à parte nas entrevistas foi Santo Amaro. O bairro é conhecido pela violência. Já foi pior, na avaliação de alguns moradores. A questão do tráfico, infelizmente, é muito forte. De fato, foi o local onde eu e Teresa nos sentimos mais hostilizadas. A atitude dos moradores que ficavam nas ruas – pelas poucas que circulamos – não era de boas-vindas. Estávamos identificadas com crachás do jornal e a pergunta era o que estávamos fazendo ali. Uma experiência impactante, até porque logo que chegamos ao jornal, depois do segundo dia de entrevistas em Santo Amaro, recebemos a notícia de um tiroteio, com morte de um jovem de 16 anos, no local onde tínhamos acabado de sair.
Isso nos motivou mais para fazer o alerta para uma situação tão comum a estas comunidades e que faz as crianças reféns de uma realidade que não podem controlar. Recebem como herança a violência. Uma sina triste que pode ser mudada com o empenho de todos. Esta foi a nossa contribuição.