Em Foco 1409

Um assunto que vai além dos estádios de futebol e das cotas nas universidades. O preconceito é uma realidade no Brasil, apesar da insistência em não discutir esta questão a fundo, a não ser em episódios onde a maioria mais insiste em negar do que reconhecer o problema. Por isso um relatório da Organização das Nações Unidas virou tema do Em Foco do Diario de domingo, escrito por Luce Pereira.

O preconceito mora ao lado

Racismo no país “é estrutural, institucionalizado e permeia todas as áreas da vida”, diz documento da ONU que acaba de ser divulgado

Luce Pereira

De repente, parece que a intolerância recrudesceu no Brasil. Os assassinatos e agressões a homossexuais e os recorrentes ataques verbais a jogadores de futebol negros grassam para provar que termos como democracia racial, por exemplo, são bonitos mas nada verdadeiros – a realidade caminha na direção contrária. Ou seja, a violência se encarrega de afirmar, na prática, o que insistimos em negar na teoria: o preconceito nunca deixou de existir, embora tenha-se criado uma cultura de “faz de conta”, que funciona como recurso para redimir de qualquer culpa.
Pesquisas e estudos feitos por entidades respeitáveis se encarregam de traduzir esta realidade. No mais recente, divulgado nesta sexta-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) disse que o racismo no Brasil “é estrutural, institucionalizado e permeia todas as áreas da vida”, o que explica, por exemplo, as ofensas disparadas por uma torcedora do Grêmio contra o goleiro Aranha, do Santos, em partida recente, no Rio Grande do Sul.
O documento, que analisa a quantas anda a discriminação racial no país, afirma que grande parte da sociedade ainda nega a existência do racismo, o que quer dizer que, infelizmente, o mito da democracia racial resiste. Pior: é subscrito por acadêmicos nacionais, internacionais e atores. O informe da Organização defende que o termo não pode mais ser usado em relação ao Brasil, afirmando que “alguns órgãos do Estado são caracterizados por um racismo institucional, onde hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais”.
As conclusões da ONU foram tiradas depois da visita de peritos ao Brasil, entre os dias 4 e 14 de dezembro de 2013, e são divulgadas justamente (coincidentemente?) quando o país é sacudido por uma onda de intolerância, cujos maiores alvos são homessexuais e negros. A um dia de saber das conclusões da ONU, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti, disse, no Recife, que “as pessoas não podem sofrer preconceito e violência por questão pessoal” e defendeu a criminalização da homofobia.
A ministra, que na quinta-feira participou da Caravana da Educação em Direitos Humanos, na Universidade Católica, afirmou que mais importante do que punir criminalmente o agressor é a criação de um clima social de intolerância ao preconceito. Referia-se ao caso da jovem torcedora gaúcha Patrícia Moreira, que precisou até mudar de cidade, ante a reação popular ao gesto racista durante jogo entre Grêmio e Santos, no início de agosto. Quando deu a declaração, a ministra Ideli também estava a um dia de saber que a casa na qual a moça já não residia fôra “incendiada”.
Mesmo Ideli Salvatti defendendo a reação da sociedade a manifestações de preconceito de qualquer ordem, é preciso refletir sobre o risco de se estimular uma resposta com grau ainda maior de intolerância e violência, o que terminou acontecendo no episódio no qual o Grêmio foi impedido de prosseguir na Copa do Brasil. Excesso sempre traz mais prejuízo do que benefício.
Nenhuma forma de preconceito deve sobreviver numa sociedade que enxerga e respeita direitos humanos, o que está longe de ser o caso do Brasil. Por isso mesmo, mais do que armas são necessários meios para enfrentá-lo. Não há cura quando não se reconhece a doença.