Em Foco 1809

As CPIs deveriam, para início de conversa, ser conduzidas por parlamentares isentos, avessos a corporativismo e dispostos a defender a ética na política a qualquer custo. Mas, há muito tempo, o esforço para achá-los ganhou status de busca por agulha em palheiro. É o que afirma Luce Pereira, autora do texto do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quinta-feira.

Um circo chamado CPI

Desde 1992, foram pelo menos oito CPIs para investigar grandes esquemas de corrupção. Nenhuma que colocasse em xeque a expressão “vai acabar em pizza”

Luce Pereira

Certamente, pela quantidade e falta de resultados, os brasileiros não se dão ao trabalho de calcular o número de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instauradas no país num período de 22 anos, a contar de 1992. As de maior repercussão, pelo tamanho dos escândalos que as motivaram, foram oito, sem contar a bola da vez, a da Petrobras, cuja sessão, ontem, terminou com a célebre frase “nada a declarar”, pronunciada pelo diretor de Abastecimento da Companhia entre 2004 e 2012, Paulo Roberto Costa. A propósito, repetida dezoito vezes.
Se, por direito constitucional, uma pessoa sabatinadapor parlamentares de uma ou das duas casas – Câmara e Senado federais – pode manter-se calada por quantas horas durar uma dessas sessões, o entendimento comum é de que os inquiridores só não fazem papel de bobos porque de bobos não têm nada. Afinal, tudo pode “acabar em pizza”, como geralmente acaba, mas os integrantes ganham ao menos excelente oportunidades de desgastar quem menos quer ver o circo pegar fogo – governo ou oposição.
A única conclusão possível, diante da pouca eficácia do instrumento criado para possibilitar ao Poder Legislativo conduzir investigações de interesse coletivo, é que ele não faria falta. No dia 27 de março, em entrevista concedida à colunista Eliane Catanhêde, da Folha de São Paulo, o presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, Francisco Praciano (PT-AM), dizia, a propósito do tema do encontro – corrupção no Congresso –, que “ali não há interesse de fato em defender a ética na política”.
Se esta é a conclusão e a Petrobras já teve o maior escândalo de sua história investigado numa primeira CPI, instaurada pela Casa, seria altamente provável que não resultasse em nada proveitoso contra o poderoso esquema de lavagem de dinheiro revelado por Costa, envolvendo 25 deputados federais, seis senadores, três governadores, um ministro de estado e três partidos políticos.
Ou seja, para deixar de parecer apenas um circo e se transformar de fato em um instrumento jurídico destinado a colaborar para o fim da corrupção no país, as CPIs deveriam, para início de conversa, ser conduzidas por parlamentares isentos, avessos a corporativismo e dispostos a defender a ética na política a qualquer custo. Mas, há muito tempo, o esforço para achá-los ganhou status de busca por agulha em palheiro.
Basta dizer que, no mesmo texto, o deputado Praciano lamenta os 388 processos contra corrupção que dormem em berço esplêndido, no Congresso, mesmo aqueles prontos para votação em plenário. Assim, apesar das reações nas ruas para, entre outras bandeiras de moralização, tentar transformar a maior enfermidade do Brasil em crime hediondo, persiste o velho vício de fazer vistas grossas àquilo que pode afetar os pares ou seus interesses.
Então, para quê mesmo CPIs sem, sobretudo, mudança na qualidade dos integrantes delas? Mais uma vez, vem à tona o debate sobre a importância da reforma política, onde repousa a esperança da população de vir a ter representantes que não saiam, num piscar de olhos, da condição de investigadores para a de investigados.
Chega.