A repórter Juliana Cavalcanti e o repórter fotográfico Paulo Paiva mergulharam por dois dias no universo dos xukurus de Pesqueira, município a 212 quilômetros do Recife. A missão era contar, em palavras e imagens, o resgate de uma tradição que havia se perdido na convivência, muitas vezes forçadas, com os “brancos” ao longo de cinco séculos. Em duas páginas do Diario de Pernambuco do domingo, o ressurgimento de práticas agrícolas indígenas é mostrado como reflexo de uma nova consciência. A decisão pelo não uso de agrotóxicos, a aposta em alimentos vinculados às tradições alimentares da tribo, a posse definitiva da terras são elementos que resultaram até na venda do excedente da produção em mercados de cidades vizinhas. Abaixo, o texto da matéria que abre o especial, para dar o gosto em que não viu no papel.
Xukurus de volta às origens
Juliana Cavalcanti
O resgate de uma cultura inclui aspectos complexos que passam pela língua, pelas tradições e costumes e também pelo modo de produção. Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) vem resgatando o modo de produção dos integrantes da tribo Xukuru, em Pesqueira, no Agreste, através do cultivo agroecológico e do retorno às tradições de plantio e de cura pelos alimentos.
O trabalho destaca práticas muitas vezes esquecidas pela comunidade indígena e que fazem parte de uma essência de respeito à natureza – colocada em segundo plano num cenário que durante muitos séculos foi de ocupação das terras nativas por fazendeiros e de submissão do povo Xukuru às ordens dos patrões.
“A questão do ressurgimento étnico é interessante porque o estado brasileiro desde o período da colonização tinha como meta transformar o indígena em cidadão brasileiro. E transformar este cidadão em trabalhador rural. Os indígenas se assumiram como caboclos e depois como trabalhadores rurais, realizando as atividades exigidas pelos patrões e deixando de lado a agricultura ancestral”, argumenta Iran Neves Ordônio, engenheiro agrônomo do IPA e índio xukuru.
O plantio com referência nas fases da lua, o uso dos alimentos e das ervas para a cura de vários males e a produção associada de vários alimentos numa mesma área sem o uso de defensivos agrícolas estão entre as práticas valorizadas no trabalho de pesquisa e resgate.
“A agricultura xukuru é diferente. Primeiramente tem a questão da coletividade da terra, com valores como solidariedade e partilha; depois a liberdade e, acima de tudo, existe o respeito à natureza sagrada – uma associação da ecologia com a espiritualidade. A reconquista das terras, com o registro em cartório no ano de 2002, trouxe destaque para uma realidade de terra degradada e para a necessidade de resgatar antigas formas de produção e de inserção numa lógica de produtividade que é oposta à cultura indígena”, detalha Iran Ordônio.
Obrigados a trabalhar para os fazendeiros, que praticavam a monocultura, os índios eram proibidos de lavrar os alimentos de sua tradição, a exemplo do feijão, da fava e da mandioca. O problema era que o período de produção mais longo era sempre interrompido para plantar capim para o gado, ou para o cultivo apenas do milho. Sem o cultivo, praticamente perdeu-se também o uso dos alimentos e plantas também como práticas de cura.
Um exemplo está na fava do tipo ‘cabo curso’ – que além de servir de alimento também é usada de formas variadas na tradição indígena como medicamento. “A fava desenvolve no inverno para começar a colher no verão. Mas o fazendeiro exigia que se soltasse o gado no verão e não dava tempo de colher a fava, que aos poucos deixou de ser cultivada e praticamente acabou”, recorda Iran.