Em Foco 1610

A fome mata uma pessoa a cada 3,5 segundos no mundo e, já em 2006, segundo relatório da Organização das Nações Unidas, havia 300 milhões de crianças sem ter o que comer. No Dia Mundial da Alimentação, uma reflexão sobre o desperdício de comida que impede gerações inteiras de melhorar a própria humanidade. Tema do Em Foco desta quinta-feira, por Luce Pereira.

Fome: o drama do mundo

Hoje é o Dia Mundial da Alimentação e a FAO alerta sobre a ameaça que representa o aumento de preços dos alimentos para populações carentes em todo o planeta

Luce Pereira

Refletir não é bem um verbo que se conjugue logo no café da manhã, mas a de hoje sugere exatamente isto, por se tratar do Dia Mundial da Alimentação, data criada pela FAO – o organismo das Nações Unidas que desde 1945 lidera esforços internacionais de erradicação da fome e da insegurança alimentar. Por que não começar prestando atenção no que sobra em sua mesa e falta diariamente na de 870 milhões de pessoas, graças ao desperdício de 1,3 bilhão de toneladas de comida por ano no mundo ou 750 bilhões de dólares?
As conclusões sobre aonde vai dar tamanho desequilíbrio começaram a ser tiradas já em 1935 pelo pesquisador pernambucano Josué de Castro, o nome mais cintilante na constelação dos que militam contra o flagelo da fome, segundo Castro, o maior drama da humanidade. As teorias do intelectual (médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social, político e escritor) encontraram terreno fértil na eterna falta de vocação do país para planejar e também criar políticas públicas destinadas ao fortalecimento da agricultura.
Hoje o país se ressente não apenas da falta de uma ampla consciência coletiva sobre as consequências da fome para milhões de pessoas, como de garantias de que terá políticas públicas capazes de reduzir o desperdício e, por conseguinte, o flagelo. Entre as causas que alimentam este “monstro”, as desigualdades são, sem dúvida, as maiores responsáveis.
Enquanto o mapa dos famintos teima em estragar o apetite de ativistas inspirados na luta de Castro, o Brasil ganha 200 novos ultrarricos, assim chamados porque são donos de fortuna estimada em mais de US$ 50 milhões. Foi o que revelou, na última terça-feira, o levantamento Global Wealth Report, divulgado pelo banco Credit Suisse.
A propósito de desigualdades gigantescas, muitas provocadas por esta má distribuição de renda, o tema do Dia Mundial da Alimentação, neste ano, é “Preço dos alimentos – da crise à estabilidade “, porque a alta deles atinge sobretudo as populações mais carentes. Basta dizer que entre 2010 e 2011, este aumento deixou perto de 70 milhões de pessoas em estado de pobreza extrema no mundo, segundo dados do Banco Mundial.
No entanto, a realidade mostra que tal quadro passa longe das preocupações dos 200 novos ultrarricos do país, porque se perpetua entre nós a crença de que o “pepino” deve ser descascado apenas pelos governos, quando não envidamos nem o menor esforço para impedir o desperdício. Para o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, é preciso buscar mudanças em todas as esferas da cadeia alimentar humana a fim de evitá-lo, o que é possível, sobretudo,com práticas ambientais como retilização e reciclagem de produtos.
O que mais este Dia Mundial da Alimentação ensina é que trabalhar para a erradicação do flagelo não se trata de sonho de ativista, mas de uma batalha de todos contra inimigo poderoso e feroz. Ao menos hoje, durante alguma refeição, vai ser mais difícil ignorar que a fome mata uma pessoa a cada 3,5 segundos no mundo e que já em 2006, segundo relatório da ONU, havia 300 milhões de crianças sem ter o que comer.