Em Foco 0911

De um lado, Gorbachev. Do outro, Fernando Collor. No meio, um muro, o de Berlim, que começou simbolicamente a ruir há 25 anos, quando a barreira entre os lados oriental e ocidental da cidade alemã deixou de existir. Nesta salada ideológica, a Guerra Fria saiu de cena para a abertura de mercado. Dos dois lados, um Lada. Afinal, tudo o que era sólido se desmancha no ar, já dizia Karl Marx, um alemão. Tema do Em Foco do Diario deste domingo, por Paulo Goethe, que apesar do nome é cearense

As lições do muro

A queda do principal símbolo da Guerra Fria, que provocou um efeito dominó no bloco soviético, teve impacto na vida cotidiana no Brasil

Paulo Goethe

No ano em que se comemorava um século de República, o Diario publicou uma série no caderno Viver com textos de especialistas mostrando as mudanças da sociedade brasileira ao longo do século 20. Se o jornal acertava em rever o passado, na edição de 10 de novembro não registrou bem o futuro começado no dia anterior. O principal assunto estava presente na capa, mas não como manchete. No rodapé da 1ª página, os leitores certificavam-se de que o Muro de Berlim não era mais barreira entre comunistas e capitalistas.
“Os alemães-orientais que quiserem deixar o país podem ir diretamente para Berlim Ocidental, cidade isolada pelo chamado ‘muro da vergonha’. Segundo o porta-voz da Alemanha Oriental, os que quiserem sair podem se dirigir diretamente para o outro lado da cidade ou para a Alemanha capitalista, sem necessidade de recorrer a terceiros países do bloco socialista”, informava o texto.
Símbolo máximo da Guerra Fria, o Muro de Berlim começava a ser demolido. Construído na madrugada de 13 de agosto de 1961, possuía 66,5 quilômetros de grades metálicas, 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme, 255 pistas de corrida para cães de guarda. Pelo menos 389 pessoas identificadas morreram quando tentavam ultrapassar a barreira, outras 112 ficaram feridas e milhares acabaram presas.
A manchete da edição que narrava este acontecimento estava dedicada à cassação do registro eleitoral de Silvio Santos, que queria concorrer à Presidência da República. Seriam as primeiras eleições diretas após 29 anos, e um “azarão” no início da disputa acabou atropelando os outros candidatos. O ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello, do PRN, ganhou a disputa no segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva, numa campanha em que recorreu até a depoimento da ex-namorada do petista, Miriam Cordeiro, que o acusava de oferecer-lhe dinheiro para um aborto.
O novo presidente, eleito no dia 15 de novembro, assumiria um país com uma inflação que atingiria o índice de 1.764,86% no final do ano. José Sarney, no apagar das luzes e sem o prestígio da época do Plano Cruzado, anunciou um novo pacote, o Plano Verão, que previa outra mudança monetária: o cruzado perderia três zeros e passaria a se chamar cruzado novo.
No cenário internacional, os países comunistas começavam a ser riscados do mapa. Em dezembro, a defesa da propriedade privada entrava como uma das novidades nos novos governos que assumiram o poder na Tchecolosváquia, Romênia e Polônia. O dramaturgo Vaclav Havel assumiu a presidência tcheca no dia 10 do último mês de 1989, libertando os presos políticos e permitindo a formação a criação de novos partidos políticos. O ditador romeno Nicolae Ceausescu, e sua mulher, Elena, acabaram fuzilados no dia 25, após 24 anos de controle do país com mão de ferro. Na Polônia, o parlamento decidiu, no dia 30, assegurar a liberdade econômica. Tadeusz Maszowiecki, ex-diretor do sindicato Solidariedade, tornou-se o primeiro-ministro.
O efeito dominó acabou por atingir a então toda-poderosa União Soviética. Em agosto de 1991, um golpe de estado depôs o reformista Mikhail Gorbachev por três dias. Em 31 de dezembro, a rival dos Estados Unidos durante o período da Guerra Fria deixava de ser uma federação.
Curioso é que antes mesmo do fim do antigo bloco comunista os brasileiros sentiram na pele – em algumas partes do corpo, para ser mais claro – a dureza que era viver em um regime fechado. Os Ladas – veículos russos que eram também usados nos outros países do lado de lá da Cortina de Ferro – chegaram ao país como os primeiros veículos estrangeiros da abertura da importação promovida por Collor. Sem muros, mas também sem conforto, para alemães orientais e brasileiros importava ter um carro para chamar de seu.
Nestes tempos em que alguns querem erguer muros tendo como alvo principalmente o Nordeste, vale a pena aprender as lições da Alemanha. Desigualdades têm que ser resolvidas retirando tijolos, não atirando pedras.