Em Foco 1111

Há 96 anos, a Primeira Guerra Mundial chegava ao fim deixando um saldo de dez milhões de soldados mortos. Uma tragédia humanitária que se pensava que não iria mais se repetir. Hitler provou que não. No Brasil, nossa guerra é outra. O número de homicídios mostra que somos uma sociedade em busca de paz. Tema do Em Foco do Diario desta terça-feira, por Paulo Goethe

Guerra particular

O mundo celebra hoje a assinatura do armistício que pôs fim ao pesadelo da Primeira Guerra Mundial. Já no Brasil, a batalha continua

Paulo Goethe

Na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês de 1918, a primeira Grande Guerra do século 20 chegava ao fim. Em um vagão-restaurante estacionado na floresta de Compiègne, na cidade francesa de Rethondes, representantes da Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria) reconheciam oficialmente a vitória da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia).
Ao todo, mais de 70 países se envolveram no conflito. Depois de 1.567 dias de batalha, o sentimento era mais de alívio, com um saldo macabro de cerca de dez milhões de militares mortos, o dobro de feridos e cinco milhões de desaparecidos. Outros nove milhões de civis faleceram em consequência de massacres, epidemias e fome.
Ao receber a notícia, no dia 11 de novembro de 1918, que a guerra havia chegado ao fim na Europa, o Diario de Pernambuco içou a bandeira nacional e preparou a edição que saiu às ruas no dia seguinte, com a repercussão da paz após mais de quatro anos de combates sangrentos. A assinatura do armistício foi motivo de festa no Recife, com desfiles pelas ruas. “O operariado da fabrica de chapeus Mercurio percorreu em passeata as ruas principais do Recife, visitando os consulados e as redacções dos jornais diarios”, destacou, na grafia da época.
O governador Manoel Borba foi avisado, às 9h, por um telegrama enviado pelo presidente da República, Nilo Peçanha. Imediatamente ele mandou suspender o expediente nas repartições públicas. As bandas de música da Força Policial percorreram as ruas até o início da noite. Nos cinemas, as pessoas também comemoraram.
Pensava-se, na época, que a humanidade jamais cometeria o mesmo erro de um conflito global. Mas em 1940, no mesmo vagão-restaurante do armistício de 1918, Adolf Hitler celebrava a rendição francesa diante da ofensiva alemã na Segunda Guerra Mundial. As reparações pesadas exigidas ao derrotado no primeiro conflito reativaram o pesadelo não mais na Europa, mas praticamente em todos os continentes.
Apesar do horror, a literatura e o cinema se encarregaram de destacar cenas de heroísmo e de grandeza humana em meio a trincheiras e campos de concentração. O Brasil, que enviou à Europa uma missão médica composta de cirurgiões civis e militares em 1918 e tropas em 1944, vive hoje a sua guerra particular, sem nenhum glamour de farda. Hoje, em São Paulo, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vai discutir números do seu 8º anuário, como o das 11.197 pessoas mortas por policiais nos últimos cinco anos, 107 a mais do que as assassinadas pelos agentes norte-americanos em três décadas (11.090). Somente no ano passado, a média foi de seis vítimas por dia. Do outro lado, 490 policiais foram assassinados no país em 20013, sendo 1.170 desde 2009.
Em 2013, os gastos com segurança pública, sistema de saúde (quando ativado por um episódio de violência) e a contratação de segurança privada ou seguros custaram R$ 258 bilhões  ao país, 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB). O cálculo foi feito pelo Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea). Dinheiro que poderia ser canalizado para saneamento e educação, por exemplo.
Pode ter sido uma coincidência de datas, mas a festa do armistício na Europa e o Fórum de São Paulo sinalizam para a necessidade urgente de paz. Para não chorarmos mais pelo soldado desconhecido de lá e pelo enterrado como indigente de cá.