Alguém comentou durante a semana: “Dezembro é um enorme final de semana”, e é bem isso mesmo. Com tantas confraternizações, não há como fugir da balança (só em janeiro) e dos drinks. No entanto, é preciso lembrar e relembrar que bebida e direção não combinam. O balanço dos três anos da Lei Seca no estado é o tema do Em Foco desta terça-feira, por Luce Pereira.
Um brinde à lei seca
Secretaria Estadual de Saúde comemora diminuição, em três anos, de 36% nos acidentes causados por motoristas que dirigem sob efeito de álcool
Luce Pereira
Passados o choque inicial e as críticas ante o recrudescimento da Lei Seca, os mitos (como o que até bombom de licor deporia contra o motorista que o ingeriu) caíram e a “ficha”, também. Concluiu-se, enfim, que mesmo obrigando a uma mudança brusca de comportamento – situação sempre muito difícil para pessoas viciadas em rotina –, ela merece um brinde (sem álcool, por favor). Sim, afinal se propõe a diminuir a selvageria num trânsito que chega a matar mais de 36 mil pessoas por ano em acidentes nos quais 61% têm motoristas alcoolizados ao volante. E o balanço de três anos, no estado, indica que em 2015 os bafômetros continuarão sem descanso.
Pelas contas da Secretaria Estadual de Saúde, neste período quase um milhão de carros receberam ordem para parar em blitze da operação, cerca de 23 mil dos motoristas abordados receberam cartão vermelho por estar dirigindo depois de beber e 1.228 foram detidos em flagrante. A boa notícia comemorada pelos órgãos envolvidos na tarefa de fiscalizar é que a lei provocou – de dezembro de 2011 a dezembro de 2014 – uma redução de 36% nos crimes de trânsito, isto é, aqueles causados por motoristas bêbados.
Nada como prejuízos severos ao bolso e contas a acertar com a Justiça, já que a consciência não tem sido, até agora, a melhor conselheira de motoristas sem disposição nenhuma para respeitar a lei. No entanto, os próprios envolvidos no trabalho admitem que punir tornou-se necessário, mas educar é essencial para consolidar o divórcio entre álcool e direção, transformando a abstinência ao volante em cultura. Desafio para 2015, que ainda pode ser engordado com a demanda por mais equipes e equipamentos, de vez que no interior o quadro é bem diferente. As blitze existem nas maiores cidades, como Petrolina, porém nas de menor porte a situação praticamente corre a vara e a remo. Não havendo operações regulares, não há como aferir o número de acidentes em função do consumo de álcool pelos motoristas.
São muitos os ajustes que precisam ocorrer até os bafômetros acusarem zero de álcool no organismo dos condutores parados nas operações, sobretudo porque existem “inimigos” naturais neste caminho, que acabam alimentando resistência ou críticas. Uma delas é que o Estado simplesmente passou a cobrar responsabilidade da população sem dar alternativa confortável e segura de deslocamento a ela. Entendeu-se que ao menos no caso do Recife e das cidades de maior porte, o transporte público deveria ter melhorado e, no entanto, ele continuou precário como sempre foi. Diferentemente de Porto Alegre (RS), por exemplo, que criou a Linha Legal noturna passando por 27 bares, num circuito de 14,5 quilômetros. Pode ter sido apenas um paliativo, mas o morador se viu olhado pelo poder público, enxergou na medida um gesto de compreensão com as dificuldades impostas pelos novos tempos.
Independentemente dos olhares enviesados que porventura persistam – como os de comerciantes desgostosos com a queda de até 30% nas vendas de bebidas alcoólicas –, a Lei Seca continua sendo um acerto e tanto. Chegou com muito atraso, mas tem, inclusive, o mérito de nos fazer repensar a costumeira indulgência com desvios de conduta. Não importa o tamanho do crime – trata-se de um crime. Como dizem pessoas para as quais consciência não é algo a ser usado eventualmente, quem se mostra honesto com um milhão, também com um centavo.