Em cada noite de Natal é mais uma história que temos para contar. Mais uma reunião com a família, mais uma troca de presentes, mais um momento de reflexão sobre a vida e sobre os sentimentos. Pensar em como as pequenas coisas são, na verdade, grandes. Grandes como as 48 mil mini-lâmpadas penduradas nas árvores do jardim da Casa de Repouso Geriátrico São Francisco. Mas, tão pequenas perante o real motivo delas estarem penduradas lá. Motivo este que você descobre lendo o Em Foco dessa quinta-feira, de Silvia Bessa.
Deixa eu dizer que te amo
Por trás de cada luz de Natal, note, há uma história de família, de amor, de encontro e reencontro
Silvia Bessa
É quase uma constelação de pequenas luzes estrelando o céu da Casa de Repouso Geriátrico São Francisco, na entrada do bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife. Logo depois das 18h, dona Marli Alves, a proprietária do estabelecimento, manda acender as 48 mil mini-lâmpadas penduradas nas árvores do jardim. Senhores e senhoras que podem se locomover sentam-se ali sob elas para saborear o Natal que veem. Centenas de outros com pernas mais firmes o degustam – ainda que apressadamente – ao transitar pela Estrada do Arraial.
É bom imaginar que cada sinal de brilho, laço de fita bonito, dourado, vermelho ou verde, tem uma história. Seja a minha, sua, de Cristo (para quem nele crê) ou de dona Marli. E que todas são feitas de família, passado ou presente, desencontros, encontros e reencontros.
As milhares de luzes da ex-contadora de 71 anos que largou os números em meados dos anos 90 para cuidar de gente traduzem o amor de uma filha por uma mãe. “O amor que tínhamos uma pela outra era imenso. Minha mãe era lúcida. Tinha 72 anos. Sem saber que morreria logo, me disse algo que me marca até hoje”, adiantou dona Marli.
“Ela estava conversando comigo e do nada confessou o seguinte: ‘Estou achando que meu dia está chegando”. Dona Marli interrompeu a previsão pessimista da mãe, sua mais fiel parceira de vida. A mãe continuou: “Está chegando, sim, e saiba de uma coisa: ‘Mesmo que eu não venha mais a falar, se eu continuar ouvindo a voz dos meus filhos, serei feliz”.
Fez-me esse relato uma, duas, três vezes. Talvez nem tenha percebido a repetição. A mãe, como pressentia, se foi e uma profunda depressão tomou conta de dona Marli. “Não tenho marido, nem filhos. Minha vida era ela. Andava de um lado para o outro dirigindo sem saber para onde ia. Ia para os supermercados comprar iogurtes para lembrar dela até que a porta de novas oportunidades de trabalhos se abriu”, contou. Contadora de alguns abrigos para idosos no Recife, foi convidada a ser sócia de um deles. Não deu certo. Chegou, então, à São Francisco em 1995. Eram 22 idosos à época. Hoje são 70, sendo 80% portadores do Mal de Alzheimer. “Sabe o que me salvou da depressão após a morte de minha mãe? foi o meu novo trabalho. Isso é, para mim, a maior prova de que Deus existe”, garantiu, certa de que a mão divina a conduziu.
A mãe de dona Marli Alves era daquelas que adoram o dia de Natal. Enfeitava a casa com primor, cuidava para que não faltasse o presentinho de ninguém, preparava a mesa com dedicação. Cobria a família de cores e luzes. “É minha melhor lembrança de Natal”. Todos os anos, dona Marli já em outubro pede que o irmão (braço-direito dela na Casa São Francisco) compre as mini-lâmpadas (este ano, gastou R$ 5.250,00) e ele cumpre a função com prazer. “Quando olho para as lâmpadas, me lembro da minha mãe”, disse dona Marli.
As 48 mil lâmpadas são, portanto, uma homenagem a uma mãe. São uma celebração de um amor perene, até hoje celebrado durante o mês de dezembro. Foi o que descobri ao final da entrevista que visava conhecer a história por trás daquele céu.
O presente surpresa foi meu encontro. Em conversas por telefone e presencial, dona Marli destacou o comentário da mãe, “que seria feliz ouvindo a voz dos filhos”. Não sabia ela que abrandava, assim, a angústia de uma filha.
Este ano, pela primeira vez, não poderei ouvir a voz do meu pai. Mas dona Marli me deu esperança de que posso fazê-lo feliz por fração de segundo. Consciente, papai pode me ouvir.
Tomara que o espírito de Natal multiplique as luzes para outros e ofereça mais encontros com a Palavra.
Este conto me encanta por que está estreitamente junto à minha família. Marly Alves é minha prima, a mãe dela, minha tia por quem tive grande estima. Sou pai do Christiano Mascaro Gonçalves da Silva, que é primo 2º grau de Marly Alves e sobrinho neto de tia Geni Gonçalves Alves.
Em tempo: Silvia Bessa, saiba que guardei a sua página emFOCO a qual me fez chorar copiosamente de felicidade em ler quanto sentimento expressava a grande mulher que é a minha prima Marli. Devolveu-me as lembranças de momentos que tive com minha tia Geni. Mandei que minha mulher guardasse o seu escrito entre os meus livros em minha biblioteca, sem que eu saiba onde, mas que o sei perto de mim, para que eu entenda que nalgum lugar ali junto está entre o que amo bastante (os meus livros) encontra-se um testamento da minha família. Muito obrigado por isto! Felice Natale!