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A língua portuguesa sofre assassinatos diários. Quem nunca passou por alguma situação delicada? Seja em um estabelecimento comercial ou em uma conversa amigável. Os dados divulgados pelo Ministério da Cultura expõe o tamanho de nosso calo. Nossos problemas gramaticais são o assunto do Em Foco dessa sexta-feira, por Luce Pereira.

 

Inculta e bela

Péssimo desempenho na redação do Enem expõe escolas e mostra que ensino da língua portuguesa continua fraco. Em Pernmabuco, 190 foram reprovadas

Luce Pereira

A língua portuguesa sempre sai ferida de morte quando candidatos a vagas em concursos e estudantes nas mais diversas esferas da aprendizagem são obrigados a demonstrar seus conhecimentos sobre a norma culta. Trocando em miúdos, a tal gramática, que transforma redações em piadas nacionais. Algumas frases extraídas de muitos destes textos acabam virando pérolas na boca de humoristas como Jô Soares, mas o resultado do Enem 2013 diz que a falta de intimidade com o idioma, revelada por estudantes interessados em obter o certificado de conclusão do Ensino Médio, não tem graça nenhuma, pois expõe, sobretudo, as deficiências das escolas. Pelo relatório que o Ministério da Cultura (via Inep) acaba de divulgar, um terço delas, em Pernambuco, mataria Camões de tristeza. Nada menos do que 190 dos 547 estabelecimentos do estado obtiveram, na redação, média abaixo do mínimo exigido (500).

Na verdade, a decepção do maior poeta da língua portuguesa não ficaria restrita ao desempenho dos alunos do estado, mas do país, pois a prova de redação, em 33,87% das escolas brasileiras, não atingiu os pontos necessários. Caso da Estadual São José, localizada em Petrolina, que obteve a pior pontuação entre as pernambucanas (366), ficando muito distante das duas melhores colocadas: Colégio Equipe (791,76), da rede particular, e o Colégio de Aplicação da UFPE (679,7), da rede pública.

Mas o que dizer quando as dificuldades em relação ao idioma são verificadas até mesmo entre os corretores de redação do Enem, que ganham R$ 3,61 por conteúdo examinado? Em levantamento recente, o jornal O Estado de São Paulo descobriu, usando a Lei de Acesso à Informação, que cerca de 12% deles receberam cartão vermelho na última edição do exame, ou seja, foram excluídos 845 num universo de 7.121. Estas pessoas, que são profissionais da área de letras com formação em língua portuguesa, têm capacitação e ficam sob monitoramento permanente de coordenadores e supervisores.

Os tropeços a que o idioma vem sendo submetido tiram, de certa forma, o brilho das comemorações pelo fato de ele haver se tornado o quarto mais falado do mundo, segundo se ouviu na exposição Potencial econômico da língua portuguesa, realizada em fevereiro, no Parlamento Europeu. Cresce numericamente, mas sem cuidado, e as modificações que sofre (para pior, claro) vão sendo colocadas na conta de bodes expiatórios como a internet e as novelas de televisão, que já se tornaram motivo de desgosto para estudiosos e amantes da norma culta, em Portugal. A contaminação pelo vocabulário nada elegante empregado nos folhetins brasileiros incomoda a pátria-mãe muito mais do que se imagina.

No entanto, antes mesmo de a culpa ser posta na conta dos vilões mais conhecidos, já despontava, no meio da gente preocupada com a “deformação” da língua, a teoria de que o problema está no baixo nível de leitura – quem não lê escreve mal – e nos pífios investimentos em educação. Com escolas ruins, professores sem a qualificação necessária e alunos desmotivados, a “flor do Lácio” pode até continuar bela, mas sempre parecerá inculta.

Diante de cenário tão pouco animador, nada faz crer que a performance das escolas nas redações do próximo Enem será bem melhor. O que quer dizer que as contribuições aos programas de humor continuarão asseguradas e a língua merecendo brincadeiras (infelizes) como a do papa Francisco ao receber no Vaticano, em junho, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, nascido em terras lusas: “Português é um espanhol mal falado”, ironizou Sua Santidade. Camões deve ter-se mexido no túmulo.