Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) foi um pintor, desenhista, escultor, professor e poeta recifense. Podemos acrescentar também o de correspondente informal do Diario de Pernambuco em Paris, na década de 1930. Foi na capital francesa que ele se tornou testemunha de uma tragédia que marcou o mundo antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. No dia 25 de abril de 1937, uma apresentação de pilotos ousados e paraquedistas mais ainda, na cidade de Vincennes, reuniu 200 mil pessoas. O norte-americano Clem Sohn, conhecido como “homem-pássaro”, fez sua última exibição. Pulou de uma altura de dez mil metros e não conseguiu ativar os dois equipamentos que levava. Tinha 26 anos. O seu drama foi relatado no Diario no dia 5 de maio. Além do texto, Vicente do Rego Monteiro ainda produziu uma ilustração especialmente para o jornal. A sua “reportagem” foi atualizada para a grafia atual.

Paris homem-pássaro ilustra

Paris – 25 de abril (Correspondência especial para o DIARIO DE PERNAMBUCO) – Paris agita-se. O “Metropolitano”, formigueiro ativo, vomita de suas panelas em cadência, milhares de seres em cadeias traçadas em sentido único: Vincennes.
Duzentas mil pessoas cobrem as adjacências do campo de aviação: todos na ânsia para ver Clem Sohn: o “homem-pássaro”.
Num crepitar de motores, os quatro ases da aviação: Doret, Massote, Cavalli e Paulhan.
Avião branco e vermelho, avião azul e prata, avião peixe e avião libélula.
Subidas em foguete, folhas mortas magistrais de Doret, viradas sobre asa, o mundo de cabeça para baixo de Massote, as finas acrobacias de Cavalli e Paulhan, partidas em caranguejo, uma série de círculos lentos, uma espécie de dança quase ao tocar o solo.
René Vincent, paraquedista, executou uma decisão transmitindo ao público suas impressões pelo rádio e não sem certo humorismo, apesar de pendurado e balançando ao bel-prazer do vento.
Em seguida, Prouillet, ex-aviador do Negus, realizou uma caçada. Com extrema habilidade, precipitava seu aparelho contra as feras imaginárias, feras da borracha cheias de vento, que a hélice do avião decepava, elefantes, tigres, jacarés e bois voadores de Maurício de Nassau, esporte do riso e da audácia. Finalmente o grande “evenement” do dia. Clem Sohn, o “homem-pássaro”.
A 3.000 metros do infinito azul um ponto luminoso, o homem-pássaro. Ele voa! Ele voa! É um grito geral.
O ponto quase imperceptível, a princípio, torna-se visível rapidamente. Clem Sohn, com suas asas abertas, parecia mais um grande morcego do que um pássaro. Alguns minutos plainou, como uma folha morta que cai. Agitando suas perninhas no espaço, procurava descobrir o segredo do voo dos pássaros e dar a si próprio algum movimento ascendente.
Clem descia rapidamente, vertiginosamente.
A 500 metros do solo, Clem abre o primeiro paraquedas em vão. Não funciona. Tira a argola do segundo paraquedas e o mesmo acontece.
Clem, com os dois paraquedas em facho, é como uma flama branca que se precipita ao solo: como um avião em chamadas tocado pelo inimigo.
Clem agita-se em vão, o solo o atrai e, numa carícia de morte, a terra maternal o colhe em seus braços.