Em 1976, o carnaval de Pernambuco nem havia começado e já estava pegando fogo. O motivo? A intenção das autoridades em disciplinar e, se fosse o caso, acabar de vez com o mela-mela, a brincadeira de jogar nos outros foliões água, talco ou substância capaz de provocar brigas e insultos à mãe do atirador. No dia 1º de fevereiro, um domingo, o Diario de Pernambuco trouxe a opinião abalizada de quem conhecia carnaval sobre o assunto. O compositor Capiba alertava que proibir o mela-mela seria o mesmo que “baixar uma portaria proibindo a mocidade de se divertir nos três dias consagrados à folia”. Em seu depoimento, o autor de frevos tocados até hoje já alertava para a decadência dos bailes em clubes: “Ou os grandes clubes do Recife botam cordões na rua para animar o carnaval ou esse mesmo carnaval vai para a cucuia. O que nós precisamos, nas ruas, é de rivalidade e muita mocidade, e não essa velharia que desfila na famigerada passarela com taças nas mãos…”.
No dia 8 de fevereiro, no domingo seguinte, o mela-mela voltou a ser destaque no Diario, desta vez no seu suplemento cultural, em um artigo sem assinatura mas bem opinativo. O autor – possivelmente Evandro Rabelo – garantia que iria curtir o “tríduo momesco” bem longe do Recife, diante da possibilidade de liberação do hábito que tinha suas raízes ainda nos tempos da Colônia. “Este ano desejo paz de criança dormindo, longe de tudo e de todos, enquanto a massa ignara estiver nas ruas se lambuzando de prazer ou, simplesmente, destilando seus recalques na base da soda cáustica e de outras porções não muito solúveis e perfumosas…”.
Já no 26 de fevereiro, a quinta-feira antes do início oficial do carnaval, o Diario trouxe uma enquete sobre como a população reagiu à liberação geral do mela-mela. A maioria dos entrevistados se mostrava contra a possibilidade de levar um balde de água na cara. Alguns diziam que reagiriam no ato. Ocupando praticamente dois terços da página um artigo do escritor Amaro Quintas dava o tom de desânimo diante da selvageria que tomaria conta das ruas: “Não se trata de manter tradição e de salvar o carnaval popular. No meu tempo de jovem nada de sujeira de mela-mela existia e os carnavais eram de arromba. Carnavais de rua e não de clubes elegantes. E o meu saudoso pai referia-se às bisnagas e às limas de cheiro de seu tempo, mas não a latas d’água e a sacos de goma que ele, também, não alcançou. Bisnagas e limas de cheiro que perfumavam e eram adquiridas por compra ou fabricadas em casa e não a latas d’água e a sacos de goma que ele, também, não alcançou. Bisnagas e limas de cheiro que perfumavam e eram adquiridas por compra ou fabricadas em casa e não substâncias recolhidas, gratuitamente, em vasilhames, nas sarjetas e nos esgotos das ruas. Substâncias que, ao contrário das primeiras, pela sua gratuidade, são usadas sem parcimônia”.