Em 1975, o carnaval ainda estava chegando, mas nada de muita libertinagem. Pelo menos é o que garantiam as autoridades em plena ditadura militar em reportagem publicada no Diario de Pernambuco do dia 4 de fevereiro daquele ano. A manchete da página de Polícia já chamava atenção: nada de tanga ou biquíni para a mulherada que iria desfilar no corso. A matéria, sem assinatura do autor, ganha 40 anos depois um toque de humor involuntário. A roupa de banho feminino logo perde espaço para a proibição prevista da festa que os travestis realizariam, sob a batuta de “Isabela, a certinha”. O Baile dos Enxutos estava ameaçado pela linha dura e pela instituição da “Lei de Chico de Brito”. Esta lei, na verdade, seria a palmatória, muito praticada pelo cearense que foi prefeito do Crato e ficou também como conhecido como o pai do repórter da TV Globo, Francisco José.
Abaixo, o texto na íntegra da reportagem.
Polícia proíbe tanga e biquíni no carnaval
A polícia não permitirá que as recifenses desfilem de biquíni ou tanga pelas ruas da cidade durante o carnaval, afirmaram fontes ligadas à Secretaria de Segurança Pública. A medida visa moralizar o corso que, segundo os informantes, envergonhou senhoras e crianças, ano passado.
O uso de talco, água, lança-perfume e qualquer produto corrosivo também não será permitido e quem for apanhado portando material proibido será autuado em flagrante e sem direito a fiança. Forte esquema policial ficará encarregado de fiscalizar os foliões e coibir os abusos.
As “bonecas” não terão vez e não lhes será concedida licença para realização do “Baile dos Enxutos”, repetindo-se o que aconteceu no ano passado. A polícia informa que não adianta “Isabela, a certinha” e outros travestis “colocarem a boca no mundo”, invocando falsos direitos, porque agora está valendo a “Lei de Chico de Brito”.
Anarquia que venha a prejudicar terceiros e imoralidade na vestimenta não serão tolerados. Qualquer um que se insurgir contra a medida passará o carnaval no xadrez e na quarta-feira de cinzas “desfilará” no bloco “O que é que eu vou dizer em casa”?
Sabe-se que um grupo de homossexuais pretende enviar um abaixo-assinado ao diretor do Departamento de Polícia Judiciária, sr. Jairo Pontes, solicitando uma “colher de chá” neste carnaval. “Isabela”, “a” chefe do grupo, disse a um jornalista que confia na benevolência do policial, principalmente porque a “realização do Baile dos Enxutos” não prejudica ninguém e dele só participará quem é ou pretende ser “entendido”. Além disso, a gente tem que se desrecalcar uma vez por ano, não acha”?