Arquivo DP/D.A Press

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Nunca houve uma mulher como Inezita. A nossa maior embaixadora da música caipira, que faleceu no domingo em São Paulo, aos 90 anos de idade, dedicou sua longa vida a divulgar os valores de nossas raízes. Tinha formação cultural e muita bagagem para isso. Uma carreira que resultou em 80 discos gravados e mais de 1.500 apresentações do programa Viola, minha viola, onde abria espaço para gente de todo o país, contanto que não levassem guitarra ou teclado elétrico. Na sua biografia consta que sua vivência profissional como cantora teve início em Pernambuco, após uma apresentação no Teatro de Santa Isabel. O ano era 1951, mas em qual data? Todos os textos que falavam dela e mesmo os livros sobre sua vida não davam esta informação. Depois de uma extensa pesquisa no acervo do Diario de Pernambuco, o Direto da Redação pode hoje afirmar: Inezita surgiu para a vida artística em 13 de outubro de 1951, um sábado. Um dia antes, o jornal fazia a apresentação da novidade, tratando-a como uma folclorista. “Possuidora de belíssimo timbre e grande poder de interpretação dos mais belos motivos musicais brasileiros”, afirmava o texto no rodapé de página.

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No livro Inezita Barroso – Com a espada e a viola na mão (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), escrito por Valdemar Jorge, Inezita conta que Pernambuco entrou na sua vida após o casamento com um cearense. Uma viagem para a terra natal do marido derivou para uma visita a Pernambuco, onde ela conheceu o compositor Capiba, a atriz Geninha da Rosa Borges e o pessoal do Teatro de Amadores de Pernambuco. Cantava para eles o repertório recolhido em suas andanças pelo país. Foi aí que recebeu o convite de Agamenon Magalhães e esposa para um recital no Teatro de Santa Isabel. “Não me imaginava cantando para um público grande que não conhecia. Até essa época eu só cantava com os meus amigos. Eu precisava me preparar. Comprei um pano de fazenda e mandei fazer um vestido até o pé, lembro até hoje que era azul. E no dia até me emprestaram o violão. Foi uma loucura, cantei um monte de músicas do Sul, de São Paulo, de Minas, músicas gaúchas que eles não conheciam. Naquela época mão havia intercâmbio musical”.

1958 - Arquivo DP/D.A Press

1958 – Arquivo DP/D.A Press

A renda do recital foi doada para a Companhia Nacional da Criança, dirigida no estado pela primeira-dama Antonieta Magalhães. O sucesso da apresentação rendeu um convite, feito por Capiba, para Inezita Barroso se apresentar na Rádio Clube, em uma temporada de dois meses. E com pagamento de cachê, o primeiro da vida dela. Em entrevista concedida a Aloisio Milani (jornalista e produtor musical da TV Cultura) em 2013, Inezita conta como foi: “A primeira vez que ganhei dinheiro foi pelas mãos do Capiba, que me levou para a Rádio Clube, onde fiz uma temporadazinha. Depois comecei a visitar as cidades do interior nas rádios. Era uma seriedade. As técnicas das rádios eram mulheres, e muito competentes. Fui a Caruaru, depois a Campina Grande, fiquei maravilhada. E o material que eu trouxe foi coisa de primeira. Depois eu fiz outras viagens de pesquisa folclórica, mas nessa primeira eu fiquei louca. Foi a primeira vez que o Capiba falou: ‘Você não vai cantar de graça na Rádio Clube, eu vou pagar’. E eu: ‘Não precisa, eu não sou profissional’. Mas ele dizia que isso iria ajudar para pesquisar, para viajar. Foi quando voltei para São Paulo, assim toda importante. Eu já estava casada e ninguém chiou mais por eu ser artista”.

1972 - Arquivo DP/D.A Press

1972 – Arquivo DP/D.A Press

Pernambuco realmente deu o primeiro impulso para a carreira de Inezita. Antes da estreia em 1951, o teatrólogo Valdemar de Oliveira escreveu para os leitores do Diario convocando para este primeiro espetáculo: ” Hoje, no velho Santa Isabel, vai haver gente querendo ouvir Inezita solta no palco, sem microfone na frente, sorrindo o seu generoso sorriso de ‘polista’ para o pernambucano matuto que gosta dessas coisas todas do seu sangue – melopeias de reis nagôs, batuques e queixumes de senzalas, canções praieiras, vozes amigas do nosso populário…”. E encerra com o que pode ser uma despedida para a amiga neste 2015: “Quando se for, não nos deixará, apenas, essa saudade, mas a de uma alma generosa que conosco cooperou pelo ideal de dar de si sem pensar em si, servindo à sua vocação de cigarra”.