Em Foco 0304

Obsessão por consumo supera lição dada na cruz: só o amor pode salvar o homem e a terra na qual vive. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco da última sexta-feira, dia 3 de abril, por Luce Pereira. A ilustração da página foi feita por Greg.

Quanto vale a Paixão de Cristo?

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

A cada Semana Santa o comportamento se repete, ditado não pelos apelos do espírito, mas pela força da economia: é o preço do bacalhau, do ovo de chocolate, do vinho, da diária do hotel nos dias do feriadão gordo que importam. Será que cabe no orçamento? A conclusão de sempre, “está tudo pela hora da morte”, faz esquecer “daquela” morte, a única que deveria ser levada em conta – a de Cristo. Deveria ou mereceria? Escolha o verbo, não faz diferença diante do fato de o personagem parecer ter migrado da cruz apenas para os palcos, nas centenas de encenações da paixão Dele, país afora. E embora o espetáculo em si interprete essa paixão somente do ponto de vista de um amor pela humanidade que se resumiu ao sacrifício na cruz, é preciso reconsiderar: ela persiste.
Segundo Pascal, “Cristo continua em sua paixão, agonizando até o fim do mundo, enquanto seus irmãos e suas irmãs na Terra (que o viu nascer, viver e morrer) não forem finalmente resgatados”. Mas o mundo, a cada dia, só dá mostras de que não pretende se esforçar para que isto aconteça tão cedo, como acreditam teólogos da estirpe de Leonardo Boff, preocupados com a substituição do exemplo de extremo sacrifício, dado há mais de dois mil anos, pelas tentações do consumo. “Hoje a Paixão de Cristo se atualiza na paixão do mundo, nos milhões e milhões de sofredores, vítimas de um tipo de economia que dá mais valor ao vil metal que à dignidade da vida, especialmente da vida humana. O Cristo se encontra crucificado na Terra devastada; suas chagas são as clareiras de florestas abatidas; seu sangue são os rios contaminados”, escreveu ele num artigo, por esta época, em 2012.
Não, minha senhora, meu senhor. Evitem considerar que em dado momento a política se apropriou destas bandeiras e que elas devem continuar passando ao largo de sua atenção apenas porque a classe (ao menos no Brasil) caiu em total descrédito. Este raciocínio lhes impediria de enxergar que a agonia de Cristo continua e que agir em favor dela é agir em nome da própria sobrevivência da espécie, a cada dia mais ameaçada. Sou capaz de apostar que nenhuma das milhões de cabeças preocupadas apenas com as delícias da Semana Santa lembra do que disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, naquele 22 de fevereiro de 2009: “Não podemos deixar que o urgente comprometa o essencial”. Explicando (será que precisa?): o urgente é o consumo, e o essencial, a nave na qual seguimos, de graça, e que ainda assim tratamos como transporte de quinta categoria. Mas, enfim, a caminhada da humanidade ensina que mal-agradecidos não valorizam paixão, a não ser a própria.
No entanto, tudo tem se encaminhado para provar não apenas que a agonia de Cristo não se encerrou na cruz – pela persistente falta de paz e esperança no mundo -, como que, ignorando-a, o homem escolhe o próprio destino. Numa Páscoa não muito distante, pode ser que ovos de chocolate, feriados e diamantes não valham nada perto de uma quantidade de água suficiente para apenas matar a sede por algumas semana.