Em Foco 0404

A Páscoa oficial foi neste domingo, mas durante a vida celebramos a Páscoa nossa de cada dia, feita de pequenos acontecimentos que nos fazem renascer. Contamos aqui o renascimento de Oneide com a chegada do neto Felipe. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco do último sábado, por Silvia Bessa. A foto é de Nando Chiappetta.

O nascimento de uma avó

Silvia Bessa  (texto)
Nando Chiappetta  (foto)

Avós e os avôs dizem que amor de neto é amor em dobro. Chega na maturidade do ser humano e vem sublimado por uma relação leve, contam amigos que têm a sapiência de desfrutar essa dose de entrega e sabem definir provocando água na boca em quem ainda quer experimentar outras paixões. O amor entre avós e netos – de sangue ou adoção e coração – só me remete à Páscoa. Salvo exceções, é açucarado, permissivo, devotado e está envolto pela promessa de renovação da vida. Pode ser celebrado no Domingo de Pentecostes, após a Quaresma oficial, ou em qualquer época do ano. Oneide Mendonça, 57 anos, comemorou uma Páscoa vendo sua vida transformada e refeita em agosto de 1999, quando seu neto Luiz Felipe Machado nasceu.
Oneide era fumante inveterada. Provou o cigarro pela primeira vez quando tinha 14 anos e consumia dois maços de cigarro diariamente. Até que soube que a filha Josy estava grávida. Um menino. Primeiro neto, amor esperado. Aquela notícia já começou a fazer com que ela pensasse no desafio da abstinência do cigarro. “Como eu poderia pegar no meu neto com o cheiro da fumaça impregnado na roupa? não posso continuar”, pensava a secretária Oneide. Felipe nasceu e a família foi tomada pela alegria daquela criança. Três meses fumando apressadamente, mãos excessivamente lavadas, roupas trocadas. Enfim, Oneide estava disposta a sofrer e deixar de fumar. Na manhã de 10 de novembro de 1999 foi trabalhar e foi tomada por uma dor forte.
Sílvio, o marido dela, foi segurando sua mão enquanto seguiam para o hospital. “Comigo mesma, eu dizia: se eu sair dessa, por meu neto e por mim, deixo de fumar. Meu amor por ele é maior”. Oneide foi persistente e largou o cigarro. “Teve dia que chorei escondida porque era terrível ter de aguentar”. Até hoje não fuma. “Não sei como estaria se continuasse fumando”. Em seguida, lembra de Sílvio, o marido e avô de Felipe, também fumante que há dois anos morreu vítima do cigarro.
Felipe ouve essa narração desde pequenininho: “Gosto muito porque é a prova do amor dela por mim”, disse-me o rapaz, com 15 anos. Apesar de já saber, fui reler o significado da Páscoa. Diz que é a celebração da ressurreição de Jesus, ocorrida três dias depois da crucificação no Calvário. Notem que Oneide e Felipe lembram a descrição da Páscoa. É a história do menino que nasce renovando o sangue da avó. E da avó que renasce em nome do bem-estar do neto. É a Páscoa nossa de cada dia – recheada de pequenos acontecimentos, de gente querida ou de desconhecidos que passam por a gente para fazer ressurgir algo novo.
Ainda não sou avó (e vai demorar porque tenho filhas pequenas), mas acumulo tempo e experiências suficientes para saber que o coelhinho branco, símbolo comercial desta época do ano, não aparece de repente para limpar a alma, os pensamentos, trazer o perdão, apagar dissabores, desamores, tampouco transformar crise econômica em fortuna, adoçar o coração.
Posso até não praticar como gostaria e deveria a religiosidade, a cristandade, os rituais católicos da forma como fui ensinada a seguir quando criança. No entanto, já vivi tantas Páscoas…tantas renovações que a história de Oneide com Felipe me faz reafirmar a certeza de que o grande sentido da Páscoa é a renovação da fé. Creio. É ela quem nos dá disposição para que nós possamos nos erguer e recomeçar todos os dias, em março, abril ou agosto. Com ou sem chocolate, desejo Páscoa hoje, amanhã e a cada dia do resto do ano. Que a gente tenha capacidade de reconhecer as Páscoas grandiosas e as mais banais.