Em Foco 0704Sem ter muito o que comemorar no aniversário de 114 anos, o Náutico revive momentos de desconstrução semelhantes aos sofridos nos anos 1990. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta terça-feira, por João de Andrade Neto, repórter de Superesportes. A ilustração da página é de Jarbas.

Fantasmas do passado

João de Andrade Neto  (texto)
Jarbas  (arte)

O Náutico completa hoje 114 anos e parece ter ganho de presente um Delorean, carro que funcionava como máquina do tempo na trilogia De Volta para o Futuro, regredindo pelo menos 20 anos no passado. Até chegar aos anos 1990, com muita justiça tratada como a década perdida pelos alvirrubros. Época em que o clube vivia um período de desconstrução. Sem dinheiro, títulos, poucas lideranças e com a torcida cada vez mais distante. Cenário não muito diferente do visto agora. Desde 2001, quando voltou a ser campeão após 11 anos (jejum já igualado agora), o Náutico nunca foi tão pequeno. Eliminado na 1ª fase da Copa do Nordeste e do Pernambucano, sendo lanterna em uma fase classificatória com seis times, onde quatro avançam. E hoje, como em 1996, o clube está sob o comando de um grupo que prometeu modernidade e entregou comparações com o “novo América”. Glauber Vasconcelos, o atual presidente, é o Márcio Borba, mandatário em 1996.
A diferença é que, após um ano de desgastes, dentro e fora de campo, Borba renunciou. Glauber não desenha fazer o mesmo, apesar de já receber pressão até de antigos aliados para isso. Mas ontem, ao tirar um mês de licença do cargo por recomendações médicas, pode ter mexido uma peça importante no agitado tabuleiro político do clube. Uma ausência em um momento tão conturbado geralmente não passa impune. Serão 30 dias intensos em Rosa e Silva. Afinal, há outras maneiras de sair de cena. Não apenas renunciando.
Com Glauber no comando do Náutico, a atual gestão seguirá falida e isolada. Sem ele, abre-se uma fresta para um possível entendimento entre as alas políticas divergentes. Nos próximos 30 dias, caberá ao vice, Gustavo Ventura, conduzir o clube. Justamente no mês de preparação para a Série B. E ontem, na sua primeira entrevista, Ventura fez o que Glauber não fez em um ano e quatro meses de gestão: reconheceu erros (mesmo sem citar quais) e pediu ajuda. Disse que vai procurar apoio. Não disse de quem. De toda forma, um discurso bem mais conciliador. Bem mais acessível a alguns ouvidos da oposição, que reconhecem no vice um canal de mais diálogo.
E talvez nada seja mais importante nesse momento do que diálogo. Que bem conduzido pode diminuir as vaidades encontradas nos dois polos políticos do clube. E que vem deixando o Náutico em segundo plano. Até porque o grupo de oposição, capitaneado por ex-presidentes como André Campos, Ricardo Valois e Sérgio Aquino, colocou como primeira condição para ajudar uma espécie de pedido de desculpas por parte do Movimento Transparência Alvirrubra (MTA) pelas acusações feitas a lideranças no período da eleição, em 2013. Em outras palavras, primeiro a retratação pessoal, depois o salvamento do clube. A atual direção não chegará a tanto. Não se humilhará em público. Mas um primeiro passo pode ter sido dado por Ventura. Mesmo que a caminhada seja longa.
Até porque, a ninguém interessa um possível rebaixamento à Série C. Em 2016, o Náutico já não terá as cotas da Copa do Nordeste e possivelmente da Copa do Brasil (dependerá do ranking da CBF), que este ano foram respectivamente de R$ 365 mil e R$ 200 mil, apenas na primeira fase. Valores que devem ser turbinados no próximo ano. Perder também a cota e a visibilidade da Série B será quase inviabilizar voos tranquilos de uma nova gestão. Dificultaria até mesmo a indicação de nomes, já que quem comandará o clube nesse cenário, seja da oposição ou situação, estará vulnerável a novamente virar vidraça. E tudo que o torcedor do Náutico quer é poder voltar a cantar: “parabéns pra você”.