Em Foco 2105

Projeto da ONG Pequenos Profetas dá aula de culinária saudável e refinada para famílias humildes do Recife. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quinta-feira, por Silva Bessa, também autora da imagem que ilustra a página.

Chef na casa do pobre

Silvia Bessa (texto e foto)

Teve cardápio de rico ontem no almoço da casa de dona Heloísa Helena de Oliveira, moradora de um vão de tijolo aparente, que mede cinco metros por dois e está localizado na comunidade pobre de Joana Bezerra, Centro do Recife. No prato, frango tailandês com gengibre, farofa de banana, purê com toques de cebolinha, arroz de cenoura e salada de folhas colhidas numa horta artesanal. Dona Heloísa estava eufórica e avisou logo: “Não vou ter vergonha de comer hoje não, viu”, disse, entre perguntas da aula de culinária particular a que teve a oportunidade de assistir. O chef Demetrius Demétrio ouviu a confissão e continuou a cozinhar, empenhado a cada pitada de sal em vê-la se deliciando ao lado do filho Jonas, de 13 anos. Parecia concentrado em concluir o grande objetivo do “Chef em casa”, projeto que ele encabeça como coordenador da ONG Pequenos Profetas e mestre na cozinha.
“Eita que o cheiro está do lado de fora da casa”, falava o caçula de dona Heloísa, Jonas, enquanto a dupla alho e cebola dourava na panela. “Lá fora que nada. Está na redondeza toda”, corrigia a mãe, satisfeita que só vendo. Vez por outra, dona Heloísa repetia o trejeito do chef, puxando com braço e mão a fumaça exalada pelo fogão para sentir o aroma da comida. “É assim, Demetrius?”. Ele, sem mi mi mi e com naturalidade, repetia o ato como se confirmasse. Quando ela se concentrava um pouco mais, o professor soltava a dica: “Eu gosto de colocar o gengibre no congelador para potencializar o sabor dele”, explicava. Ela balançava a cabeça. Animada por aprender a cortar legumes usando a faca como uma gangorra, prometeu repetir aos domingos a receita do frango tailandês, temperado com o tal do gengibre e cozido com leite de coco.
“Uso a gastronomia como instrumento de desenvolvimento social. O que nós queremos é fazer com que essas pessoas comam de forma mais saudável”, emendou o gastrônomo por formação, amigo e aprendiz de renomados chefs de restaurantes caros de Pernambuco. Patrocinado pela Petrobras, o projeto “Chef em casa” acaba de começar. É quase uma consequência de uma necessidade surgida dentro da ONG sobre como usar talos de rúcula, mostarda, alface e mais 15 hortaliças cultivadas junto com meninos e famílias carentes da vizinhança da Pequenos Profetas – instalada na Avenida Sul, nº 100. A residência de dona Heloísa Helena, de 58 anos, é a terceira a receber o “Chef em casa”. A meta é que cem domicílios da periferia de Joana Bezerra, Coelhos e Coque sejam visitadas. Eles servirão como multiplicadores de cardápios incrementados e diversificados.
Dona Helena ofereceu sua casa depois que soube da fama de uma outra galinha feita por Demetrius lá pela Avenida Brasil. Ficou cobrando e finalmente chegou o dia. Assistente social e nutricionista dão apoio técnico à visita do “Chef em casa”. A equipe chega com fogão portátil, alimentos porcionados, condimentos variados e panelas. Leva meninos atendidos pela ONG, especializada em ressocializar crianças e adolescentes em situação de rua, para ajudar na elaboração do prato do dia. De tabela, tem despertado alguns meninos a se interessarem pela cozinha e transformado o comportamento de outros.
O projeto da ONG Pequenos Profetas, fundada há 20 anos com o apoio de Dom Helder, é único. E o “Chef em casa” chega em ótima hora. Ele vai de encontro ao debate sobre a obesidade, combate com alimentos saudáveis o crescente consumo de produtos industrializados. Integra famílias, motiva o aprendizado, abre o prazer do paladar. Por fim, do que me lembro em pouco tempo, dá a chance de pessoas humildes desfrutarem de luxos como ter um mestre das panelas em casa, algo que até pouco tempo a gente só via em canais de TV por assinatura. É um projeto daqueles que vale crescer, aparecer e ser replicado.