Em Foco 2405

Professor de escola pública empolga o país ao mostrar que obstáculos perdem a força quando o sonho se coloca à frente de qualquer adversidade. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco deste domingo, por Luce Pereira. A imagem que ilustra a página é de autoria de Jarbas.

As medalhas de Solidão

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Se o Ministério dos Esportes quisesse de fato saber como transformar o Brasil numa nação desportiva com pouco dinheiro, a resposta poderia ser encontrada na minúscula Solidão, cidade a 411 km do Recife. Enquanto a vida segue sem a violência ou o progresso alterar o ritmo das horas no município, um professor de educação física jovem e franzino, conhecido por todos como Tony (Luiz Antonio Xavier Batista), 27 anos, ensina que o pernicioso discurso da falta de dinheiro, que alimenta as falas oficiais, é facilmente derrotado pela obstinação. O verbo querer foi a arma escolhida por ele para colocar a terra natal sob holofotes, no mapa dos municípios brasileiros que levam a sério a célebre frase do escritor Euclides da Cunha: “O sertanejo é antes de tudo um forte”.
Servidor na Escola de Referência Nossa Senhora de Lurdes, Tony é obrigado, todos os dias, a fazer da criatividade uma aliada de peso, para não ter o sonho imobilizado pelas dificuldades próprias das escolas públicas, sobretudo no Nordeste. E o sonho é – desde que, com o diploma na mão, deixou o Recife para fazer a viagem de volta às raízes, há cinco anos – motivar os jovens a descobrir nos esportes a porta para um mundo só apresentado a eles pela televisão e o computador (não estranhe que uma cidade cujo núcleo urbano não tem mais do que três mil moradores esteja, também, multiconectada. O mundo mudou, meu senhor, minha senhora – para o bem e para o mal. As fronteiras estão sumindo).
Tudo que ele toca vira … Esporte. Se a cidade e a escola onde trabalha (mesmo sendo de referência) não têm quadra poliesportiva, não é por isso que os alunos não vão ser treinados. A própria sala de aula, quando vazia, abriga mesa de pingue-pongue, que depois sai para dar lugar ao tatame; um aro colocado na caixa d’água vira cesta de basquete, enquanto cordas esticadas no pátio substituem a rede de badminton. A biblioteca não é só para pesquisar e ler – empresta o silêncio para a concentração dos jogadores de xadrez. Ajuda extra vem de um campinho de areia, onde corredores, arremessadores, além de atletas de handebol gastam pernas e braços.
E quando se somam suor, dedicação, amor, sonho e juventude, o resultado não poderia ser outro: troféus, medalhas, reconhecimento, portas abertas. É lindo ver que crianças e jovens pobres escancaram o sorriso quando pensam na estrada que começou a se abrir à frente, depois de seguir à risca as recomendações do professor. Ajudaram a colocar na prateleira da escola quarenta prêmios conseguidos em competições no estado. Da última – os jogos escolares, que reúnem 110 escolas de 17 cidades – saíram vice-campeões regionais (Etapa Sertão do Pajeú). A performance rendeu a alguns dos alunos menores conhecer a praia, um elevador, no Recife; e a adolescentes como Maria Tainá e Alécia Bento, duas viagens das quais dificilmente esquecerão algum detalhe: Tainá, classificada para o campeonato brasileiro entre escolas, em 2014, foi para Londrina/PR mostrar o que aprendeu no badminton, e Alécia, em 2013, para Catanduva/SP, disputar o Campeonato Brasileiro Sub 14 feminino, do qual trouxe honroso 13º lugar em xadrez.
As palavras do professor parecem ganhar emoção especial quando ele diz o que se opera na autoestima dos alunos, cada vez que o resultado do esforço e da perseverança os leva para longe da pequena cidade. Voltam estimulados e o entusiasmo acaba gerando efeito multiplicador. É assim que segue construindo o sonho de ver o município sair do anonimato para virar palco de um case inspirador de sucesso feito à base de obstinação e trabalho. Como garante a frase no portal, para não deixar dúvida em quem chega: “Solidão, uma cidade cheia de glória”.