Em Foco 2705

Pela segunda vez em menos de dois anos, cantor Ortton destrata mulheres e acaba alvo de forte reação nas redes sociais, após episódio envolvendo artista visual do Recife. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quarta-feira, por Luce Pereira. A imagem que ilustra a página é de autoria de Greg.

Duas vezes machismo

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Embora a publicidade nacional ainda insista em fazer dos atributos físicos femininos motores para alavancar a venda de muitos produtos (sobretudo cerveja), o machismo segue a caminho de se transformar em feitiço contra o feiticeiro. Não estamos mais, afinal, nos anos 1960, quando “reclames” veiculados pela TV procuravam mostrar os limites domésticos como fronteiras da inteligência da mulher e a boca de Matilde, como endereço daquelas resolvidas a ser donas do próprio destino. Diante de mais um caso rumoroso protagonizado pelo cantor Ortton (ex-Ortinho), com indícios de misoginia – assim classificado por entidades locais de defesa de direitos humanos –, resta dúvida sobre se o artista tem consciência de que o tempo passou e de que, de lá para cá, o mundo está quase irreconhecível do ponto de vista de tolerância com comportamentos semelhantes.
Na noite do dia 20 de julho de 2013, do alto do palco do Festival de Inverno de Garanhuns, a atração da hora, durante o show da Banda Querosene Jacaré, grita pelo microfone: “Só respeitem as mulheres grávidas, nas outras podem meter o dedo no …, que elas querem … Podem meter o dedo que todo mundo quer f. … ”. Traduzir as reticências, convenhamos, seria dar ao machismo um espaço que ele não merece e insultar a inteligência do leitor. Basta saber que a sugestão partiu do artista. Alvejado por críticas as mais ácidas, na imprensa e nas redes sociais, o ainda Ortinho pediu perdão através de um longo texto, resumido pela frase “Mal aí galera” (sem a vírgula mesmo). Dizia ter bebido demais, não lembrar do fato e que o próprio trabalho era um testemunho do “apreço pelas mulheres”. A Coordenadoria da Mulher de Garanhuns, Deus e o mundo, não entenderam assim e a entidade apelou ao município para ele ser banido do FIG. A Fundarpe – órgão responsável por fomentar a política cultural no estado –, não, foi quase uma seda na nota em que lamentou o episódio.
Esperava-se, sim, a partir das “sinceras desculpas” expressas em tom de derramado arrependimento, que não houvesse reincidência. Agora, porém, o diálogo que travou “inbox” com a artista visual Joana Gatis mostrou que o caminho da “cura” é sempre permeado de tentações. E ele não resistiu: com termos igualmente chulos, levou a conversa para o terreno sexual – que é por onde costuma se revelar o viés machista mais contundente –, porém acabou tendo o ataque  exposto na linha do tempo da vítima, que recebeu uma série de manifestações de apoio, inclusive de ONGs. Novamente um pedido de desculpas (publicado no próprio Facebook), onde elogia a moça, a família dela, e encerra com um “esqueçam isto, por favor”. Difícil.
As desconfianças costumam redobrar sobre reincidentes, mas basta um erro neste campo para fortalecer tese de que a “lógica machista domina a cultura e a noite pernambucanas”, como analisavam, nas redes sociais, comentários acerca do caso. Faziam referência implícita a outro episódio, aquele envolvendo o sanfoneiro Cezzinha, acusado, em março de 2014, de haver agredido por três vezes a advogada Fabiana Fernandes, com quem teria tido relacionamento de nove meses. Tudo negado pelo músico, mas mal digerido pelo público, sobretudo de internautas. Se depender da orientação de alguns deles, no capítulo recente, Ortton vai perder, além do sossego, pelo menos centenas de curtidas na página. Isso se a vítima da vez não levar a cabo a ameaça de entregar as ofensas recebidas à Justiça.