Em Foco 2905

Episódio do vídeo erótico em celular de deputado, durante debate sobre reforma política, revela apatia da população com  atos e posturas de representantes. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco. A imagem que ilustra a página é de um trabalho da equipe da arte sobre reprodução do YouTube.

Afinal, do que nos queixamos?

Luce Pereira  (texto)

Parlamentares trocando sopapos, dormindo, falando para ninguém, conversando durante discurso de colegas, distraídos ao telefone, focados em algum joguinho digital (tudo em plenário) e agora … Vendo vídeo erótico. Os que você ajudou a eleger já protagonizaram quantas cenas como estas? Se nenhuma, trata-se de verdadeiro milagre, porque o comportamento da maioria beira a imoralidade e a falta de decoro, posturas, aliás, tratadas de forma muito branda pelos encarregados de combatê-las.
Nas redes sociais, tribuna da indignação nacional, o episódio do vídeo pornô – ocorrido em plena apreciação de temas ligados à reforma política – foi amplamente criticado, mas o nível dos comentários não destoava em quase nada da atitude do deputado catarinense, em torno do qual se formou pequeno grupo para ver as imagens que apareciam no visor do smartphone. Naturalmente, o tom jocoso já faz parte do tratamento geral dispensado às tristes particularidades do Congresso brasileiro, mas as palavras – em português chulo – pareciam pequena amostra do quanto as repetidas decepções se encarregaram de anestesiar a sociedade.
As análises, que lembravam uma claque montada para realçar a “graça” do episódio, deveriam dar lugar a uma indignação atenta e responsável, ao menos com a finalidade de desestimular o que transparece desinteresse absoluto por temas vitais para o país, como a própria reforma política. Aliás, logo no primeiro degrau das discussões, ficou claro que querem deixar tudo como está, para ver como é que fica.
Mesmo a imprensa, de um modo geral, limitou-se a noticiar o fato, reproduzindo a resposta do parlamentar catarinense, desmentida pelas fotos (publicadas) do grupo de parlamentares assistindo à exibição do conteúdo: “Eu abri para ver o que era a imagem, coloquei embaixo da mesa, cutuquei os deputados que estavam do meu lado e disse: olha o que me mandaram e eliminei o vídeo (…).”
Na verdade, o protagonista da história não cometeu crime nenhum a não ser o deslize de acrescentar nova decepção às muitas colecionadas pelos brasileiros, na política, além de contribuir para deixar mais barbas de molho em relação a mudanças neste terreno. Os sinais já são muito claros de que alterações significativas nas regras do jogo não vão acontecer se não houver pressão e mobilização da sociedade.
A dúvida é onde ela, a sociedade, vai buscar combustível para reagir (pacificamente, por favor) às intenções da classe política de permanecer rezando por uma cartilha que não produz nem permite transformações essenciais. Ficar indiferente às tentativas de perpetuação de um modelo nada simpático à transparência e ao bem coletivo, isto, sim, é crime. O problema continua sendo pensar que crimes subjetivos como a omissão não causam prejuízos significativos. Causam. Neste caso, impedem um país de conquistar dias melhores.
Afinal, do que nos queixamos?